Uma longa caminhada desde 1917 no aperfeiçoamento do ser humano, da sociedade, da cidade, do distrito, do país, numa ação de sentimentos nobres, da simpatia e amor sempre crescente dos redatores, colaboradores em efetivamente transformar “O Despertar” num jornal de referência.
Depois deste paladino da verdade e da justiça surgiram outros confrades na cidade e no país.
É, portanto, um jornal com carisma e jamais lhe faltou o idealismo e um realismo audacioso como apontava as crises urbanas ou nacionais na possibilidade da sua crítica ao bem e ao mal resultar no alvitre predominantemente moral construtivo, ou seja, os conteúdos deste periódico tiveram durante estes 100 anos a linha média expressa num magnânimo bem-fazer, com gente culta e outra recrutada na atmosfera social de Coimbra, equipa sobre equipa, sempre com novas dimensões e foi assim que eu entrei no seio deste velho jornal onde conheci ainda gigantes da escrita, do jornalismo, aquando “O Despertar” era bissemanário, saía às quartas e sexta feiras.
O seu jornalismo não era um devaneio periférico para embalar leitores nas escolas de valores com assinantes em todo o país e alongava-se, ao estrangeiro, como verificamos na velha Casa de Portugal em Paris, tal a sua relativa importância.
O fator de ser oriundo de uma cidade universitária por excelência entrava em todas as esferas sociais e culturais e teve – como tem – assinantes de grande prestígio como o ilustre amigo dr. Almeida Santos, escritor, político e cantor, no seu tempo do Fado de Coimbra, há pouco falecido.
“O Despertar” apontou os males de Coimbra e fez o diagnóstico dos mesmos pela observação cintilante e aguda dos drs. Octaviano Sá, Falcão Machado, Sílvio Pélico e Mário Temido e pela caneta brilhante de Amâncio Frias, Adolfo de Freitas, João Benedito, Maria de Lurdes Trincão, Mário Campos, João Baptista, Nicolau da Fonseca, este cronista semanal sobre cultura e livros, rubrica muito apreciada e inédita na altura, contribuindo para o aparecimento da crítica literária em outros jornais.
Também durante anos e até hoje a crónica e crítica de artes plásticas é uma constante dando a conhecer os nossos artistas, estilos, técnicas e personalidade na área da criação.
O teatro teve em Mário Temido um cronista de cultura invulgar, médico, encenador e parceiro privilegiado do prof. Paulo Quintela e dinamizador do TEUC.
“O Despertar” no seu século de vida, no meu conceito, atravessa hoje as dificuldades inerentes à imprensa escrita dita da província.
E vai faltando o significado efetivo de gente nova que conheça este metier, de outros colaboradores que façam lembrar o tempo histórico da sua pujança social e o mundo sensível de uma substância que não se deseja perdida.
Todos os brilhantes nomes referidos atrás, já há muito falecidos, perde este órgão social os colaboradores profundos o historiador Eduardo Mamede, José Andrade, investigador das cenas campestres, contista, que laborava as suas crónicas no estilo de Aquilino Ribeiro, o que equivale a dizer vasto conhecedor do idioma português. E ainda José Soares, licenciado em História, com os seus apontamentos sempre bem conseguidos e do agrado geral.
Gente, esta, que morre há poucos anos. Ainda se respira a atmosfera destes três colaboradores que nos deixaram há escasso tempo.
O jornal alimentou sempre o livre arbítrio respeitando na íntegra a liberdade de expressão.
Que seja sempre “O Despertar”, republicano, tribuna de homens livres e que não se fixe a desumanizar o homem e na sua peculiar simplicidade seja o fundamento do nosso amor a Coimbra pela cultura, pela civilização, e ainda pela justiça como fatores da sua nativa nobreza.
Muito havia a dizer, como conversámos à mesa do café, sobre o grandiosa papel de “O Despertar” e as novas perspetivas que resultaram sempre numa visão crítica da sociedade conimbricense e nacional, não esquecendo aldeias, vilas e cidades do distrito, perspetivas oferecidas aos seus fiéis leitores, assinantes, ao público em geral colhidas no vai-vem pelas ruas, associações, instituições, clubes, gente da rua, figuras populares, típicas, agentes da coisa pública, num senso contemporâneo, temático, com acentuado espírito de grupo ou das ideias correntes a favor da grei, do local, das freguesias, tudo observado à luz de analogias e antinomias, mas com ordem relativa à própria problemática da vida coletiva.
Dessa data já longínqua – sempre são 100 anos – o lúcido e cintilante João Baptista vem comigo das fases das supervalorizações numa clara função crítica.
Ambos usámos um conceito de perspetivismo nas nossas crónicas e o seu douto irmão Horácio, meu amigo de peito na Praça 8 de Maio, em charlas sobre a cidade que tanto amamos dava-me “dicas” muitas vezes, para as minhas crónicas sobre o nosso berço porquanto eu trabalhava fora do nosso meio e ele, inteligente e com uma cultura acima da média, enchia o meu espírito de todas as coordenadas da nossa linda cidade.
Isto é: “O Despertar” foi – e é – uma Família que se estende pelo país fora com os seus assinantes muitos formados na vetusta universidade.
Os anunciantes cada vez mais vão procurando as páginas deste defensor acérrimo da nossa alma coimbrã para propagandear os seus produtos em tantas vertentes…
Cosmorama social foi sempre desenvolvida nas suas páginas e nunca houve a clivagem dos carateres em prejuízo da limpidez apreensível desde a sua fundação.
Aqui colaborou Cid Oliveira, general, na observação direta da vida nas suas molduras de “café-society” numa prosa irónica do agrado dos leitores.
E semanalmente saía um soneto do advogado Humberto Araújo, tipo Florbela Espanca, que os leitores esperavam como pão para a boca.
Num género mais simbolista o capitão Mesquita teve uma colaboração irregular com a publicação dos seus versos.
Escola de jornalismo. Lidei com muitos diretores, os Sousas, um trio de irmãos Artur, Tony e Armando de Sousa, este o mais categorizado e que tinha no subconsciente a inquietação existencial da promoção sempre crescente do mais antigo jornal das Beiras, quiçá do país.
Distingo o último diretor, o dr. Fausto Correia, escritor, jornalista de senso universalista, político criativo como a Loja do Cidadão, parlamentar europeu, orador brilhante que teve um percurso ético-estético no Despertar de pouca duração pelo seu precoce falecimento.
Notou-se a sua influência cultural no jornal e estava indigitado por outros voos, ora para presidente da Câmara Municipal de Coimbra e outros lugares de relevância pública.
E “O Despertar” ressentiu-se dessa partida para o desconhecido…
A escolha de temas foi posta à prova de cada um dos colaboradores e todos se moviam com plena liberdade dos seus juízos.
Lembro o papel relevante de Lúcia Sousa e outros como o “Passarinho”, o Ramos, o Branco, o Neves, o Armando, tipógrafos das velhas e ronceiras máquinas, sempre prontos a todos os sacrifícios para “O Despertar” sair a horas às quartas e sextas feiras.
Grande odisseia. E eu quando vinha ver a família a Coimbra ía para a redação ajudar esta malta abnegada.
Depois surgiram as novas tecnologias e a direção atual do jornal tem à sua frente a dr.ª Zilda Monteiro, competentíssima jornalista que conta com João Baptista, Lucinda Ferreira, Sansão Coelho, Clara Luxo Correia, Alda Belo, José de Paiva Netto, Varela Pècurto, António Inácio, Joaquim Belisário Borges, um monumento na ironia a esta sociedade escangalhada, Paula Almeida e o novel Vasco Francisco, uma revelação, pois grandes jornalistas começaram nestas páginas.
E há outros colaboradores avulso que a memória não me ajuda a recordar os nomes.
A fidelidade à arte de escrever em si mesma foi sempre norma deste jornal. Nunca se escreveu sem assunto. Maria de Lurdes Trincão e Oneyde Groffior Bontempo que foram muito próximas por via da música, pois ambas tocavam piano e acordeão, e curiosamente escreveram no Despertar, sempre conforme idiossincracias, formação e até gostos estéticos, sem palavras ocas ainda hoje vulgares em certos jornais.
“O Despertar” nunca se acomodou e foi sempre um jornal lavado, isento de contertúlios mas humildemente cumprindo a sua missão de informar e formar num trilho que serve desde 1917 para descrever a fenomologia de atividades locais, concelhias, distritais e nacionais, não desistindo perante as dificuldades.
E não fica na doçura dos seus vetustos 100 anos, e caminha com a ajuda dos fiéis colaboradores, assinantes, anunciantes, leitores em geral numa sede insaciável de ser prestável a um todo que é o país.
A inclusão dos drs. Sansão Coelho, Lucinda Ferreira e Clara Luxo Correia deram uma nova alma a este “velhinho”, doutos, em crónicas de manifesto interesse que situam valores ou elementos enquadrantes que dá prazer ler e reler.
E ainda a professora e distinta poetisa-pintora, Alda Belo, em esparsos apontamentos e na divulgação dos seus versos, ela mesmo autora de cinco livros de poesia.
“O Despertar” milita como órgão de imprensa respeitado na defesa do bem-comum.
E isso é a sua glória!
MANUEL BONTEMPO (Colaborador de “O Despertar”)