Dos Notáveis

É claro que tendo em consideração a descrição da 1ªparte do artigo, já publicado, não admira que por aqui passassem figuras de relevo da política, do social e cultural.   O mais notável entre os notáveis clientes do Hotel Urgeiriça foi, todos o dizem, Sir Anthony Éden, primeiro-ministro de Inglaterra, que ali passou, em Agosto de 1952, a lua-de-mel com a segunda esposa, Clarisse Éden, sobrinha do então ultrafamoso Winston Churchill, o grande protagonista da segunda Guerra Mundial.

Éden esteve instalado no chalet Mimosa, uma das cinco vivendinhas anexas ao hotel (hoje recuperadas e em perfeito estado de funcionamento), sob rigorosa protecção da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, que receava pela segurança de tão ilustre personagem. Dessa histórica estada existe uma interessante carta dirigida a Charles Harbord, felicitando-o por tão primoroso acolhimento.

Outra das estadas na Urgeiriça, que ficou memorável, terá sido a da celebre jornalista francesa, biógrafa de Salazar, Christine Garnier, que no quarto 120 deste hotel redigiu grande parte do texto do livro sobre a vida e a obra do então presidente do concelho. Instalada no Hotel Urgeiriça durante 16 dias a convite de Salazar, que pagou do seu bolso todas as contas resultantes dessa estada, a jornalista passou os dias com o presidente na sua casa do Vimeiro, ali bem perto, vindo ele próprio buscá-la ao fim da manhã e voltando a acompanhá-la ao hotel por volta das onze da noite.

Consta que Salazar manteve um escaldante romance com Christine, não levando a bem a pesada conta resultante das longas conversas telefónicas que todas as noites ligavam a jovem a um misterioso interlocutor parisiense.

Entre as pessoas importantes que deram a honra a Charles Harbord de preferir o seu hotel, contam-se o marechal Craveiro Lopes, o rei Humberto de Itália, o actor João Villaret, António Ramalho Eanes, Francisco Sá Carneiro e Snu Abecassis.

Embora permaneça entre os mais velhos que tiveram a honra de os servir, os ecos dos seus agradecimentos, o Hotel Urgeiriça nunca teve livros de honra, talvez por não desejar perpetuar a memoria de alguns misteriosos visitantes que o frequentaram nos conturbados tempos da Segunda Guerra Mundial.

Notáveis e notados, foram neste hotel, e ao longo dos anos, os hóspedes de longa duração, caso do misterioso coronel Smith que chegou ao Hotel Urgeiriça em 1940, onde faleceu quarenta anos mais tarde, depois de distribuir toneladas de rebuçados pelas crianças das redondezas, por onde passava, diariamente, num carro inglês tão velho como ele. De porte altivo, Times debaixo do braço, chapéu de coco e bengala, Mister Smith cumprimentava as pessoas, alegremente, servindo-se de uma linguagem arrevesada que as pessoas mal compreendiam, mas aceitavam com simpatia.

Sá Carneiro terá sido o último dos cliente míticos a marcar este tão belo quão estranho lugar.

Completamente remodelado na primeira metade da década de 1990, o Hotel Urgeiriça perdeu de novo os andrajos de ruína para voltar a ser o palacete dominador dos contrafortes da serra da Estrela.

Mantendo-se fiel ao estilo inglês das origens, outra vez rodeado de belos jardins verdejantes e bem tratados, tem agora 85 quartos, três suites e cinco vivendas, mantendo o mobiliário diferenciado que lhe deu carisma, bem integrado com a maquinaria indispensável à vida moderna e ao novo conceito de conforto hoteleiro.

Alguns espaços, caso do Restaurante Real, do bar e do Grande Hall de entrada, mantêm-se fiéis, se não às origens, pelo menos aos bons velhos tempos em que qualquer estranho podia ser sempre um temível espião. São também desta época os sinais exteriores de opulência nunca vistos na pacata e pobre Beira Interior.

Lendas que o tempo se encarrega de propagar ou apagar, conforme o estilo de cada época. [o texto base da 1ª e 2ª partes, por mim devidamente adaptados, pertence ao espólio do Hotel.]