Ao longo da vida, fui escrevendo sobre gentes e lugares que muito tinham a ver com as minhas raízes e memórias. Estou, agora, a redigir este último impresso, o da terra do meu pai. Existem outros personagens, mas permanecem imutáveis os meus propósitos: falar sobre as minhas gentes, os seus lugares e os seus tempos. Eu também estou presente, embora, por vezes, ausente.
Dou sempre tempo ao tempo. Prolongo o meu tempo e o tempo deles, para além do tempo que vivo e vivem, porque só morremos quando morre a última pessoa que ouviu falar de nós.
Por esse facto, tempo ao tempo está plasmado nestas páginas que se seguem e ajudam a perceber que há um tempo que merece também ser saboreado: o tempo para além da morte. Por isso temos memória e memórias, porventura, imaginários, que dão tempo e vida aos que pereceram.
Nenhum outro bem é tão precioso como este que escrevo. Um livro é para lembrar. Quero guardar a vida, quero guardar as pessoas, quero guardar as reminiscências. A vida tem pessoas dentro, a minha tem muitas. Quero acautelar a memória para não a perder, quero lembrar, quero poder rever. Na minha memória estou eu, estão eles e elas, está isto e aquilo. Nas minhas memórias estou eu, estão tantos, está tudo.
A vida tem pessoas dentro. Às vezes responde com uma casa em ruínas com paredes de pedra, com objetos, um prato, uma máquina de costura, uma panela de onde se vertia o caldo, a cestinha da fruta, o solitário das flores, os castiçais que alumiavam a imagem do santo milagreiro, panos bordados com mãos de fada, quadros, livros, cartas, fotografias, e tantas outras recordações que, em muitas ocasiões, descuidadamente, deitamos fora.
Vou guardar para não esquecer.
E, agora, pergunto-me quanto tempo o tempo tem? Umas vezes é lento e sofrido, outras é turbulento e rápido como um vendaval. É nos interstícios das duas velocidades que perpassam e se agitam as minhas memórias. Dos que ficam aos que voltam sempre.
Eis um livro modesto que vos deixo, ele vai pertencer ao tempo.