13 de Junho de 2025 | Coimbra
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António Inácio Nogueira

TESTEMUNHOS Para que conste e não se esqueça, nos 50 anos do 25 de Abril.

12 de Abril 2024

Glória ao futebol da Associação Académica de Coimbra

Futebol Como Arma de Protesto.

No dia 22 de Junho de 1969 a Académica defrontou o Benfica na final da Taça de Portugal. Para mim, foi o jogo mais emotivo, mais significante e mais importante da história do futebol português.

Nessa altura, vivia-se um momento de grande tensão entre os estudantes de Coimbra e o regime do Estado Novo, com greves aos exames, manifestações e confrontos sérios com a polícia de choque, uma das armas de repressão da ditadura.

A Associação Académica de Coimbra, conhecida em Portugal inteiro por Académica, era um clube histórico do país e de fundação mais antiga. Tinha a particularidade de ser mesmo uma equipa constituída por estudantes, muitos deles universitários. Não admira, pois, que dentro do possível tenham aderido à luta dos estudantes.

A equipa de 1969 era de excelência. Batia-se, de igual para igual, com os três grandes do futebol português.

Nas meias-finais da Taça de Portugal desse ano, defrontou o Sporting. A equipa de Coimbra apresentou-se em campo de branco com uma fita preta, em sinal de luto. O campo estava lotado de estudantes; o ambiente era efervescente. Estive lá, no antigo Estádio Municipal de Coimbra. É de salientar que, até à última hora, o jogo esteve para não se realizar. A Académica, «Briosa», como era conhecida pelos estudantes, nas duas mãos, eliminou o Sporting e conquistou o acesso à final da Taça a disputar no Jamor.

O adversário seria o então todo poderoso Sport Lisboa e Benfica que, na época de sessenta, tinha alcançado algumas das suas conquistas mais gloriosas e apresentava como cabeça de cartaz e estrela, o glorioso Eusébio.

No dia 22 de Junho de 1969 os adeptos da Académica deslocaram-se em massa ao Estádio do Jamor. O clima era tenso, previam-se protestos veementes e alguns desacatos graves, dada a presença da polícia de choque e elementos da Pide disseminados pela multidão.

A televisão não transmitiu o jogo, alegando motivos desajeitados e mentirosos. O Presidente da República e o Presidente do Conselho de Ministros não compareceram. A não presença na tribuna dos altos dignitários da Nação, e a não transmissão televisiva, denotava a caducidade e o esboroar do regime. A força dos estudantes e do povo descontente, já que alguns milhares de adeptos do Benfica, estavam ao lado dos estudantes, era palpável. O medo avassalou os ditadores.

Por outro lado, havia a possibilidade da «Briosa» não comparecer ao jogo, ou por protesto ou por ser impedida de jogar. O Sporting foi mesmo para estágio, caso fosse preciso jogar a final, já que tinha sido o semifinalista derrotado.

Os jogadores da Académica, perante milhares de cidadãos de ambas as equipas, entraram com as capas negras às costas em sinal de luto académico e, lado a lado, com os jogadores do Benfica; um cenário pouco comum na altura, dado que os jogadores de cada equipa entravam no relvado em separado e já a correr.

Durante a primeira parte, se bem me lembro, houve uma certa tranquilidade nas bancadas. Foi a partir do intervalo que os adeptos da Académica, começaram a mostrar as tarjas que haviam transportado de Coimbra, com mensagens de protesto contra o regime. Por exemplo, e de que me recordo, “universidade livre”, “mais ensino menos polícias”.

Havia, como já dissemos, agentes da PIDE nas bancadas e foram mesmo detidos estudantes durante o jogo.

As tarjas estavam num sítio e logo, por milagre, apareciam noutro local mais além, para iludir esses agentes.

Embora tenham sido feitas por estudantes, correram o estádio todo, passando inclusivamente pelos adeptos do Benfica, que também colaboraram, principalmente, os que eram do «reviralho».

A Académica lutou desabridamente com o Benfica para ganhar o jogo, foi a prolongamento e Eusébio, quem mais poderia ter sido, deu a vitória ao Benfica.

No final viam-se lágrimas caídas e rostos doridos nos jogadores da Académica. O Benfica, sem euforias, consolava os estudantes.

A divulgação da força do movimento associativo estudantil esteve bem patente perante todos e deu também pujança a outros movimentos da sociedade anti-regime.

O estado novo foi altamente afectado aos olhos do povo já descontente: com o rumo da guerra colonial, com a falta de liberdade e com a pobreza endémica que levava a «salto» os jovens pobres a caminho de uma outra miséria nos campos bidonville em França.

O regime ditatorial mostrou à saciedade a sua fragilidade, bastou para isso um jogo de futebol. O futebol provou, naquele dia, que poderia ser uma arma importante contra os ditadores e a favor da democracia.

Hoje haverá já poucos academistas e benfiquistas vivos presentes nesse jogo. Mas os que estiverem por cá, lúcidos, jamais poderão esquecer este momento desportivo. Jamais

Não foi esta final da Taça de 1969 que provocou o 25 de Abril mas, sem dúvida, foi um momento crucial em que se iniciou entre os jovens a forte convicção de era possível derrotar o regime, instituir a democracia e acabar com a guerra colonial.

Os Capitães de Abril que também eram jovens, muitos deles jovens alunos da Academia Militar, não deveriam ter ficado indiferentes a este grande acontecimento.

Muitos e muitos adeptos do Benfica, os mais politizados e militantes do dito «reviralho», confessavam que, nesse dia, não se importariam que o Benfica perdesse a Taça. Já tinha conquistado muitas…

E se isso tivesse acontecido? O que se teria passado por esse país além? Não sei.

Só sei dizer que como jovem e revolucionário dos «sete costados», na altura, interiorizei, até hoje, que as águias não são o meu animal preferido.

Para que conste e não se esqueça nos 50 anos de Abril.


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