Glória ao futebol da Associação Académica de Coimbra
Futebol Como Arma de Protesto.
No dia 22 de Junho de 1969 a Académica defrontou o Benfica na final da Taça de Portugal. Para mim, foi o jogo mais emotivo, mais significante e mais importante da história do futebol português.
Nessa altura, vivia-se um momento de grande tensão entre os estudantes de Coimbra e o regime do Estado Novo, com greves aos exames, manifestações e confrontos sérios com a polícia de choque, uma das armas de repressão da ditadura.
A Associação Académica de Coimbra, conhecida em Portugal inteiro por Académica, era um clube histórico do país e de fundação mais antiga. Tinha a particularidade de ser mesmo uma equipa constituída por estudantes, muitos deles universitários. Não admira, pois, que dentro do possível tenham aderido à luta dos estudantes.
A equipa de 1969 era de excelência. Batia-se, de igual para igual, com os três grandes do futebol português.
Nas meias-finais da Taça de Portugal desse ano, defrontou o Sporting. A equipa de Coimbra apresentou-se em campo de branco com uma fita preta, em sinal de luto. O campo estava lotado de estudantes; o ambiente era efervescente. Estive lá, no antigo Estádio Municipal de Coimbra. É de salientar que, até à última hora, o jogo esteve para não se realizar. A Académica, «Briosa», como era conhecida pelos estudantes, nas duas mãos, eliminou o Sporting e conquistou o acesso à final da Taça a disputar no Jamor.
O adversário seria o então todo poderoso Sport Lisboa e Benfica que, na época de sessenta, tinha alcançado algumas das suas conquistas mais gloriosas e apresentava como cabeça de cartaz e estrela, o glorioso Eusébio.
No dia 22 de Junho de 1969 os adeptos da Académica deslocaram-se em massa ao Estádio do Jamor. O clima era tenso, previam-se protestos veementes e alguns desacatos graves, dada a presença da polícia de choque e elementos da Pide disseminados pela multidão.
A televisão não transmitiu o jogo, alegando motivos desajeitados e mentirosos. O Presidente da República e o Presidente do Conselho de Ministros não compareceram. A não presença na tribuna dos altos dignitários da Nação, e a não transmissão televisiva, denotava a caducidade e o esboroar do regime. A força dos estudantes e do povo descontente, já que alguns milhares de adeptos do Benfica, estavam ao lado dos estudantes, era palpável. O medo avassalou os ditadores.
Por outro lado, havia a possibilidade da «Briosa» não comparecer ao jogo, ou por protesto ou por ser impedida de jogar. O Sporting foi mesmo para estágio, caso fosse preciso jogar a final, já que tinha sido o semifinalista derrotado.
Os jogadores da Académica, perante milhares de cidadãos de ambas as equipas, entraram com as capas negras às costas em sinal de luto académico e, lado a lado, com os jogadores do Benfica; um cenário pouco comum na altura, dado que os jogadores de cada equipa entravam no relvado em separado e já a correr.
Durante a primeira parte, se bem me lembro, houve uma certa tranquilidade nas bancadas. Foi a partir do intervalo que os adeptos da Académica, começaram a mostrar as tarjas que haviam transportado de Coimbra, com mensagens de protesto contra o regime. Por exemplo, e de que me recordo, “universidade livre”, “mais ensino menos polícias”.
Havia, como já dissemos, agentes da PIDE nas bancadas e foram mesmo detidos estudantes durante o jogo.
As tarjas estavam num sítio e logo, por milagre, apareciam noutro local mais além, para iludir esses agentes.
Embora tenham sido feitas por estudantes, correram o estádio todo, passando inclusivamente pelos adeptos do Benfica, que também colaboraram, principalmente, os que eram do «reviralho».
A Académica lutou desabridamente com o Benfica para ganhar o jogo, foi a prolongamento e Eusébio, quem mais poderia ter sido, deu a vitória ao Benfica.
No final viam-se lágrimas caídas e rostos doridos nos jogadores da Académica. O Benfica, sem euforias, consolava os estudantes.
A divulgação da força do movimento associativo estudantil esteve bem patente perante todos e deu também pujança a outros movimentos da sociedade anti-regime.
O estado novo foi altamente afectado aos olhos do povo já descontente: com o rumo da guerra colonial, com a falta de liberdade e com a pobreza endémica que levava a «salto» os jovens pobres a caminho de uma outra miséria nos campos bidonville em França.
O regime ditatorial mostrou à saciedade a sua fragilidade, bastou para isso um jogo de futebol. O futebol provou, naquele dia, que poderia ser uma arma importante contra os ditadores e a favor da democracia.
Hoje haverá já poucos academistas e benfiquistas vivos presentes nesse jogo. Mas os que estiverem por cá, lúcidos, jamais poderão esquecer este momento desportivo. Jamais
Não foi esta final da Taça de 1969 que provocou o 25 de Abril mas, sem dúvida, foi um momento crucial em que se iniciou entre os jovens a forte convicção de era possível derrotar o regime, instituir a democracia e acabar com a guerra colonial.
Os Capitães de Abril que também eram jovens, muitos deles jovens alunos da Academia Militar, não deveriam ter ficado indiferentes a este grande acontecimento.
Muitos e muitos adeptos do Benfica, os mais politizados e militantes do dito «reviralho», confessavam que, nesse dia, não se importariam que o Benfica perdesse a Taça. Já tinha conquistado muitas…
E se isso tivesse acontecido? O que se teria passado por esse país além? Não sei.
Só sei dizer que como jovem e revolucionário dos «sete costados», na altura, interiorizei, até hoje, que as águias não são o meu animal preferido.
Para que conste e não se esqueça nos 50 anos de Abril.