Ao longo dos tempos, fui escrevendo algumas monografias sempre de lugares que muito tinham a ver com as minhas raízes e memórias.
Estou, agora, a redigir a última, a da terra do meu pai. Em todas elas, como é evidente, aparece uma ou mais vezes a palavra Orago. Apesar de dizer muito às gentes locais, dada a Santa ou Santo que lhe está associado, é uma palavra ignorada por quase todos, pois raro é o habitante do lugar que sabe o seu significado.
A partir de agora, em vez de estar com explicações, por vezes longas, e porventura, menos claras, vou tirar várias fotocópias deste artigo e trago-o no bolso. Logo que perguntado sobre o que é o Orago, enfio a mão no bolso, ofereço um exemplar e recomendo – «leia, amigo, que fica a saber».
Mas, então, o que é o Orago?
Segundo o costume católico, patrono, Orago ou padroeiro é um santo a quem é dedicada uma localidade, associação ou templo (capela ou igreja, etc.).
Na legislação que estabelece a simbologia associada às freguesias portuguesas, surgem, frequentemente, menções aos Oragos dessas freguesias. Este facto tem dois significados: por um lado, tem o significado religioso de estender a proteção do santo para lá do templo, a toda a freguesia; por outro lado, é um arcaísmo que reflete nos dias atuais as origens antigas das freguesias.
Com efeito, embora, hoje, uma freguesia seja uma instituição de carácter político e administrativo, exclusivamente subordinada aos poderes civis, a sua origem é a paróquia católica, que constituiu, em tempos, a malha mais fina de administração em Portugal (Origem, adaptada, de: Wikipédia, a enciclopédia livre).
O Orago da terra sobre a qual escrevo é S. Miguel. Quem é este Santo? O que fez ele de significativo para ser Orago?
S. Miguel é, com efeito, um dos três Arcanjos referidos nominalmente na Bíblia. O vocábulo Miguel, de origem hebraica, significa “Quem como Deus!” e era o “grito de guerra” dos anjos fiéis a Deus na batalha celestial contra Lúcifer e os anjos que se revoltaram contra Deus. Miguel vence Lúcifer que é banido do Céu para o Inferno. Face às descrições, S. Miguel é geralmente representado com uma indumentária de combate, asas dorsais, e uma lança, lutando contra Satanás, representado por um dragão ou ser demoníaco.
Na acendrada crença religiosa, aos anjos foi confiada por Deus a proteção e guarda de cada ente humano, em particular (anjo da guarda) ou coletivamente. Os anjos, espíritos puros, são sobretudo os mensageiros de Deus para intervirem na salvação dos homens e lhes transmitirem a palavra e graça de Deus.
Das tarefas atribuídas ao Arcanjo S. Miguel salienta-se a de “pesar” as almas separando as dos puros (porque elas verão a Deus) e as do condenados ao inferno, conduzindo as almas eleitas ao Céu. Ao lado de S. Pedro (claviculário das portas do Paraíso), S. Miguel, para uma boa compressão figurativa, é representado com uma balança de dois pratos.
A devoção a S. Miguel adquire um ponto alto na expressiva vida religiosa da Idade Média, que regista relatos de aparições nos campos de batalha em proteção dos exércitos cristãos. (Origem, adaptada, de António Carreira Coelho).
Depois de ler tudo isto, um dos meus interlocutores encontrou-me e veio ao meu encontro, eufórico. Nem boa tarde me disse, palavreando de imediato: «E Cum Carago, a nossa terra tem cá um Oraco!». Disse cá para comigo, – mal empregado tempo que levei a escrever o artigo.