Sempre gostei do Mar. Ao olhá-lo assalta-me a consciência, rasga-me a memória e desdobra-me a personalidade. Ao contemplá-lo, sinto-o heróico, místico, simbólico, imagem do infinito. Quem, como eu, com ele vive, sabe que fala de muita coisa, fome, tragédia, fatalidade, negócio e religiosidade, mas também de muita beleza, coragem e vontade de vencer.
Quando o olho, pergunto-me sempre se o Mar foi o princípio ou o princípio foi o Mar. O Mar aliás, é um dos maiores elementos da Criação. O Mar não nos deixa indiferentes à sua grandeza, mistérios e simbolismos. Sempre foi um espaço lendário, associado a numerosos mitos e lendas, povoado por um variado bestiário fabuloso e até por ilhas encantadas e utópicas.
Simbolicamente, o Mar representa a vida e a morte. O Mar é o símbolo da fecundidade e uma das grandes metáforas do Amor. Terá sido do Mar que surgiram as primeiras formas de vida. Ainda hoje nos fascinam a beleza natural, a riqueza mineral e a variedade das espécies piscícolas do espantoso mundo submarino. Na linguagem bíblica, o Mar simboliza, muitas vezes, a zanga de Deus pelas acções nefastas do homem. O Mar também pode ser conotado com o perigo e a morte. O ininterrupto movimento das águas pode ainda simbolizar o lado transitório da existência, o inexorável fluir do tempo. Já as tempestades marítimas representam ora a omnipotência divina ou da natureza, ora, na escrita metafórica e mística, a convulsão dos sentimentos e paixões em que se debatem e naufragam os corações humanos.
O Mar também foi tudo isto, e também teve e tem, os seus mitos literários, pela pena de vários escritores, como, Aquilino Ribeiro. Os seus livros estão salpicadas de Mar, cheiram a maresia!
Desde o princípio, o Mar foi a paisagem quotidiana de muitas terras, impregnando, profundamente, a psicologia, as tradições, a literatura, a arte, e até a gastronomia, das suas gentes ou dos seus amigos.
O Mar exercitou sempre o fascínio, mas também o medo e a desconfiança de muitos. O Mar foi sempre um enigma. Foi, por esse facto, como afirma o historiador francês Alain Corbin, que tarde os europeus descobriram o Mar como uma fonte de emoções, propício a banhos, viagens de lazer e tratamentos medicinais. O Mar era, muitas vezes, visto, como coisa do diabo. Ele era a encarnação do Leviatã, o monstro bíblico que morava no mar. Dante Alighieri (1265-1321), ao descrever o inferno, na Divina Comédia, alude à repulsa causada pelas águas.
O Mar é o meu silêncio e o meu encantamento. [Com a respeitosa vénia a Cândido Martins, Aquilino Ribeiro, Adelaide Félix, e também ao autor deste artigo que expressa o seu afecto ao mar num dos seus livros].