Ao ler uma notícia do Jornal De Notícias de 12 de agosto de 2019 sobre o comboio da linha do Vouga, o «vouguinha», que chega a registar duas horas de atraso, e mais, devido a avarias do material circundante, estremeci. Deve ser mais uma das nossas linhas míticas, pensei eu, a ver os seus dias contados, a esvair-se em nada. Os passageiros que vão para a Feira de Espinho, uma das mais concorridas do país, quando chegam, é quando deviam voltar. Os que se arriscam a passar um dia na praia de Espinho, veem o dia transtornado, mal tempo têm para se pôr em fato de banho. Ai interior deste país, como te desprezam e amesquinham!
Todos os anos realizo, por uns dias, uma visita ao Portugal dito interior. Este ano andei para os lados de Amarante que foi servido pela linha do Tâmega, hoje infelizmente extinta. Fiquei uns dias em Cabeceiras de Bastos e, num deles, resolvi procurar os restos cadavéricos da linha morta.
À saída do hotel, tentei obter informações. Foi-me dito que a extinta Estação de Cabeceiras estava situada mesmo no centro da terra.
Manhã cedo procuro. Foi fácil chegar lá. Ao longe já vislumbro a antiga Estação. Estou à espera de ver um dos seus ossos mirrados. Uma estação em ruínas, janelas tapadas por tijolos, vidros partidos, paredes grafitadas. Um caos.
Nem queria acreditar! Observei um edifício bonito, preservado e de boa arquitetura.
Desci a rampa que outrora daria acesso a camionetas e outros veículos que iriam despachar mercadorias… para outras paragens. Aproximei-me, mesmo assim, descrente. Uma porta envidraçada dava acesso a um compartimento bem organizado, tendo sido recebido por uma funcionária da Câmara. Prestimosa a dar toda informação sobre a extinta linha do Tâmega, foi-me explicando que a Estação de Celorico de Basto era o espaço central de uma «ecopista» do Tâmega, construída no espaço canal da linha ferroviária desativada, destinada à circulação pedonal ou de bicicleta. Tratava-se, segundo ela, de um percurso suave e acessível para todos.
E continuou. “A bonita estação de Celorico de Basto, [como pode ver], é o espaço central desta «ecopista», localizada em pleno centro urbano da sede do concelho. Aqui poderá visitar um centro interpretativo e ficar a conhecer a história da linha do Tâmega. Poderá apreciar e adquirir alguns produtos locais no posto de venda, encontrar alojamento neste edifício ou no albergue, proceder ao aluguer de bicicletas para realizar o percurso, trocar de roupa e tomar um banho retemperador no final da jornada.
De Celorico para norte, a «ecopista» tem uma extensão de 17 quilómetros, até à estação de Arco de Baúlhe, na qual está instalado um núcleo museológico. Um dos trechos mais empolgantes é o que antecede a Ponte de Matamá, que oferece uma extraordinária vista sobre o rio Tâmega.”
E a amável anfitriã continuou descrevendo o percurso sempre auxiliada por textos de José Peixoto e Pedro Gonçalves: “ [De] Celorico para sul o percurso tem cerca de 22 km, até à estação de Amarante. Logo no início uma recta enorme permite a entrada num espaço onde reina a solidão da floresta, até chegar à aldeia de Lourido. Entramos de seguida numa zona de xisto, em que o percurso se desenvolve ao longo de uma trincheira funda intercalada por trechos de amplos horizontes sobre o vale do Tâmega, que deixam a descoberto o grandioso pendor da montanha.”
“E agora, por favor, digam-me de que necessitam para iniciar esta caminhada maravilhosa… daremos todo o apoio”, arremata a nossa quase guia de viagem.
Olhei para a minha mulher, encolhemos os ombros, olhos tristes, magoados pelo tempo e pelos anos. Retorqui: “Obrigado menina pela sua explicação, pelo seu convite. Hoje não vamos partir no comboio imaginário. Há muito poucos anos atrás, lhe digo, quantas e quantas caminhadas fizemos pelo Portugal profundo. Já chega, já vimos que baste para lhe dizer que o centro destrói e a periferia (re) constrói. Obrigado…”
Que bela lição, disse para a minha mulher!
Até outro dia, qualquer, Cabeceiras de Basto.