É meu hábito passear pelas ruas de Monte Formoso.
São silenciosas, com pouco trânsito, e as casas que as confinam mantêm os seus jardins floridos. Ainda existem lugares românticos, no meio do caos.
Um dia, numa dessas voltas, deparei-me com um saco bem avolumado, chegado a um contentor do lixo. Olhei, certifiquei-me do seu conteúdo. Ó, espanto meu, – havia descoberto um conjunto de livros onde jaziam «Trindades», «Eças», alguns outros de interesse histórico, – até Descartes, com o seu Discurso do Método, jazia naquele caixão prestes a seguir para o despejo do lixo municipal. Fiquei perplexo!…
Selecionei alguns deles, salvei-os do crematório.
O meu desencanto é grande, porque sou uma pessoa que preservo livros, revistas, documentos diversos, – como cartas e postais ilustrados antigos, enviados ou recebidos por familiares já falecidos –, brinquedos, etc., contributivos para reavivar e tornar mais rica a memória e a história. Alguns outros, vou doando a instituições que os possam preservar e divulgar melhor. Ser utilizados, quem sabe, para futuras investigações ou estudos. A todos os que ficam, eu olho-os com enlevo. Em cada um deles está a reminiscência de uma vida, mas não sei o que lhes acontecerá.
Tenho pena que sigam o mesmo caminho dos que encontrei, abandonados, mortificados por mãos humanas.
Gostava que os meus tivessem algum tempo de eternidade, mas tudo será como as filhas e neta quiseram.
Não sei qual será o efeito que a falta de memória do passado irá ter nos que agora gozam a plenitude da juventude. Acredito que, cada vez mais, os nossos objetos de estimação sejam vendidos a peso ou descartados sem critério. Reconheço que, por vezes, não há espaços para os ter, e para muitos sejam considerados sem qualquer utilidade, valor histórico ou memorialista. No entanto, há sempre a quem os dar, o que é preciso é procurar.
Para os meus, seja o que o destino quiser!…