13 de Outubro de 2024 | Coimbra
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ANTÓNIO INÁCIO NOGUEIRA

TESTEMUNHOS: Fragmentos de memórias em dia de aniversário

6 de Março 2020

Um alerta

Poderão perguntar porque escrevo estes extratos simples e despretensiosos em Dia de Aniversário deste Jornal, já para além do seu centenário.

E quero-os mesmo assim, aqui, neste dia, tal como gostaria que residissem semelhantes narrativas deste semanário, por quem nutro carinho especial, num volume de histórias e memórias. Não entendo como é possível, um jornal centenário, histórico, desta cidade dos doutores, ainda não possuir um livro onde estejam plasmadas as suas reminiscências, descritas de forma simples, tal qual como são relatadas as que abaixo se descrevem.

Às entidades públicas e privadas eu lanço daqui um apelo para que se disponham a levar a cabo esta tarefa. Não deixem findar o tempo.

Ao meu jornal, aqui deixo os parabéns renovados e votos de longa vida lutando contra o tempo de muita tecnologia bacoca.

A chegada era doce

…Eu lá fui crescendo na urbe dos doutores e à sombra da antiga Universidade; entrementes, e, ainda de tenra idade, vi-me a caminho de Amoreiras, pois os meus progenitores regressavam às origens sempre que pressentiam carecerem as raízes de seiva regeneradora… As réstias da minha memória ainda vislumbram as viagens de comboio realizadas desde Coimbra até à estação de caminho-de-ferro de Celorico da Beira. O trem era ronceiro e puxado por uma máquina a vapor que lançava fagulhas para os meus olhos, pois gostava de fazer o percurso com a cabeça de fora da janela. Esta viagem para mim tinha laivos de magia, já que os túneis e as pontes da região do Luso me arrebatavam, para não falar da paisagem sempre surpreendente, ora agreste e penedia, ora de verde revigorante vestida que acompanhava o serpentear do comboio junto ao Rio Mondego. À nossa espera, à chegada, lá estava o primo João (Moleiro) de Açores com a carroça puxada por dois possantes machos. Depois de algumas horas, de saltitante cavalgada, era a chegada. Quando assombrava ao adro da igreja já podia vislumbrar a minha avó Jacinta acenando do alpendre. Então eram as manifestações de júbilo do reencontro. Ainda mal tinham terminado os abraços, já eu perguntava pelo doce de ginja, a predileção gastronómica da minha infância…

A partida era amarga

Depois era a abalada, a tristeza do regresso, o adeus com os lenços brancos que se avistavam tristes no escuro das cinco da manhã, hora de partida na carroça do primo João para apanhar o comboio. Os barulhos do veículo salteando por entre os buracos escuros do caminho, que nos levava ao Porto da Carne, contracenavam com a lugubridade taciturna da paisagem. O piar das corujas e o ladrar dos cães arrepiavam-me; a sinfonia dos guizos dos machos, acompanhando o seu trote, desafinava com o chocalho das ovelhas. As sombras das árvores, principalmente dos amieiros da Ribeira da Velosa, metiam-me medo. Em cada um deles, remexendo as suas pequenas folhas sopradas pela brisa matinal, adivinhava um fantasma e, para não ver nada, fechava os olhos. Em cada sombra, ou atrás de cada pedra, eu conjeturava um lobo – vinham-me à lembrança as histórias sobre estes animais contadas pelo meu avô. Ao mesmo tempo começava a ter saudades da minha avó; sonhava, e em sonhos ainda a via a dizer-me adeus no côvado do adro, debaixo da oliveira grande e velha.

Eram quase seis horas da manhã quando atravessámos a Lageosa do Mondego, e, depois, os machos diligentes faziam o restante percurso bem rápido, sem atropelos, já que durante muito tempo fomos os únicos transeuntes na estrada. Chegámos a horas. Apanhámos o comboio a caminho de Coimbra. Esta seria a minha última viagem na carroça do meu primo.

A abalada magoada era

Um dia, para surpresa dos meus sete anos, recebi a informação dos meus pais de que iríamos viver para a Guarda. Nunca me explicaram esta decisão.

Durante o caminho os meus olhos tinham marejado de água, porque ficara sem nada: a minha cidade, os meus amigos, a minha escola. Soluçava e, de repente, à medida que me aproximava da minha nova terra, as lágrimas que caíam dos meus olhos solidificavam. Olhei em volta e fiquei estupefacto. Em meu redor, espreitava um nevão como nunca vira.

A História de Vida de O DESPERTAR, Tem Tudo Isto e Muito Mais

Parabéns O Despertar. Neste dia festivo é bom lembrar a todos que TU também tens a tua história de vida. A chegada será doce, a partida não haverá, a abalada nunca será magoada, porque não existirá.


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