Fico contente, ao mesmo tempo, magoado e constrangido, sempre que vejo desfilar uma Banda, à minha beira, ou, assisto, a um concerto por uma Orquestra Sinfónica.
De entre os diversos instrumentos tocantes enxergo alguns que me cativam, sobremaneira, pois foram esses os mais experienciados pelo meu pai e, muitos outros, familiares próximos. É, também, nessas alturas, que refresco a memória, recordando o pai a ensinar-me o solfejo e a descoberta da leitura da música. Marcava-me trabalho diário que raramente fazia, aprontando como desculpa as mais excêntricas histórias. Porventura pela forma ou pelo jeito utilizado para me ensinar ou motivar, sempre resisti, com veemência, apesar de reconhecer a sua sábia e exímia forma de tocar e manejar o violino e o trompete. Hoje sinto um vazio incontido por não ter recebido, de bom grado, aquelas ordens inflexíveis.
De forma a sublimar esse estado de alma, quiçá arrependimento, tentei incutir esse prazer nas minhas filhas, pois pressentia possuírem dotes para tal, Fui de todo mal sucedido, – quiçá reminiscências do meu ADN.
O pai e alguns dos familiares mais próximos, como já acima relatei, pertenceram à Banda Filarmónica de Paços da Serra, nutrindo, todos, pela música uma paixão inata, – assim digo, se não for heterodoxia para as artes da Psicologia e da Sociologia.
Todos eles, como músicos e como pessoas, devem muito àquela Banda Filarmónica.
Com a aprendizagem inicial ali recebida, o pai, foi aperfeiçoando a sua prática chegando a pertencer à Banda do Exército, de grande prestígio nacional. Prova de que alguns destes aprendizes singraram, posteriormente, noutras paragens, fazendo carreiras brilhantes em múltiplas e facetadas lides culturais ligadas à música.
Quase sempre de raiz popular criaram, as bandas, no seu seio, centenas de escolas de música, frequentadas por milhares de alunos. Por esse motivo, e, justamente, vieram a ser apelidadas, por alguns, de “Conservatórios do Povo”.
Estes centros de aprendizagem da arte, foram, e são, um recurso nobre, um alfobre de músicos, muitos deles pertencentes a classes sociais bem desfavorecidas. Aí aprenderam prática de instrumentos, ensino, arranjo e composição, e, nalguns casos, direção de orquestra. Pelas Bandas Filarmónicas passaram, e ainda passam, alguns dos melhores músicos de sopro do país.
As Bandas Filarmónicas são um bom exemplo de centros de socialização local e intergeracional. Nelas podem conviver e aprender, a seu ritmo, três gerações: avós, filhos e netos de qualquer estrato social. Neste quadro socializante, cultivam, ainda, a igualdade de género, não existindo destrinças entre homens e mulheres. Pode-se, assim, afirmar que, desde há muitos anos, pertencem ao povo, alfabetizaram-no, até, em muitos casos.
As Bandas Filarmónicas, são e foram, inequivocamente, verdadeiras associações de animação cultural e social da sua comunidade. A animação musical, o teatro, o desporto e, até, o ensino da instrução primária, estiveram e estão presentes.
Enfim, nos meios rurais, e, privilegiadamente, de há 150 anos para cá, a Banda Filarmónica foi o refúgio que dava alento à pobreza e onde se aprendia a tocar, a ler, a escrever e a contar.
Foram e são um oásis de democracia. E tudo realizam, quase sempre, sem ajuda do poder público.
Faço, por último, as devidas vénias às Bandas Filarmónicas deste país, em especial à Banda Filarmónica de Paços da Serra, que ajudou muitos dos meus familiares a ser músicos e homens de verdade.
Pela minha parte, peço desculpa à música e a quem a pratica por não ter sido capaz, por falta de querer, de a aprender, dando continuidade a uma família de bons praticantes.
Salvo-me, possivelmente, por ser, hoje, um bom admirador de música sinfónica, onde revejo diversos instrumentos musicais com a nostalgia de quem não os quis descobrir.
Neste propósito vou doar, à Banda Filarmónica de Paços da Serra, documentação musical de real valor patrimonial e histórico, pertença do meu pai.