A História da Educação em Portugal foi, até alguns anos atrás, um dos meus assuntos prediletos de leitura e investigação. Constatei que andámos sempre aos solavancos, alternando entre bolsas de entusiasmo e promessas de mudança, períodos de negro vestidos, com desprezo total pela escola e sua importância no desenvolvimento do país. Assim sendo, não é de estranhar que se chegasse ao 25 de Abril com um índice de analfabetismo arrepiante e um insucesso escolar quase inacreditável. Tenho pena de o dizer, mas este estado de alma e a sua doença crónica, muito se deve ao desinteresse dos governantes e seus acólitos por tal arte imprescindível. Em muitas alturas tiveram receio que o povo ao ler viesse a «tresler», pondo em causa o seu reinado todo-poderoso.
Milhões de portugueses morreram sem conhecer as letras, muitos sem aprender a ler, escrever e contar.
Neste contexto, o país quase sempre foi negro ou acinzentado, pobre, descalço, analfabeto e, como tal, arredado de ombrear com os países mais evoluídos
No entanto, houve momentos exuberantes, ao longo da história, que nos fizeram pensar na mudança. Quais foram e como escolhê-los?
Fiz uma revisão da matéria dada, como se diria no meu tempo de estudante, e tentei assinalá-los. Elaborei, primeiro, uma lista alargada e, depois, fui eliminando, nunca perdendo de vista a vantagem dos selecionados para construir um pais mais instruído.
Os meus eleitos são os que abaixo indico. E para si quais seriam? Desafio-o a realizar este exercício, caro leitor.
A criação da primeira Universidade – Em março de 1290 o rei D. Dinis assinou o documento Scientiae thesaurus mirabilis que dá origem à Universidade de Coimbra, a mais antiga do país e do mundo. No papel, Portugal foi pioneiro no lançamento do ensino universitário, o pior foram as práticas desenvolvidas, posteriormente.
A obra revolucionária de João de Deus – A Cartilha Maternal de João de Deus publicada em 1876 foi uma lufada de ar fresco no moribundo ensino infantil e deu oportunidade de aprender a ler a muitos milhares de analfabetos portugueses. Em 1882 foi decretado o seu uso generalizado nas escolas portuguesas. Esta obrigatoriedade seria mantida até 1903. A disseminação do método beneficiou da Associação de Escolas Moveis em pleno funcionamento até 1921 e cursadas por alguns milhares de alunos. A Cartilha Maternal foi precursora de uma enorme variedade de outras cartilhas aplicadas a públicos diferenciados. Iniciativa esta, sem dúvida, de valor inestimável.
Plano dos Centenários – O Plano dos Centenários foi lançado pelo governo de Salazar em 1940. Tinha como objetivo “implantar todos os estabelecimentos de ensino primário necessários à instrução do Povo Português, de modo que nenhuma criança deixasse de ter escola ao seu alcance e que cada escola tivesse edifício próprio e devidamente apropriado para o seu funcionamento”. Até final da década de 1950 foram construídos mais de 7.000 edifícios escolares novos, que incluíam um total superior a 12.000 salas de aula. A construção de escolas, em ritmo razoável, continuou até meados da década de 1960. Quase todas as cidades, vilas e aldeias de Portugal passaram a dispor de uma ou mais escolas do Plano dos Centenários, o que permitiu diminuir, acentuadamente, o analfabetismo e aumentar o ensino obrigatório de três para quatro anos em 1960 e para seis anos em 1967. Um número significativo das escolas do Plano dos Centenários ainda estão hoje em atividade como escolas básicas do 1.º ciclo, pese as adaptações que lhe foram feitas. Na década de 1990, muitas começaram a ser desativadas, por um lado, devido à falta de alunos, consequência da desertificação das regiões do interior e, por outro, da política de educação encetada, requerendo a centralização dos alunos do 1.º ciclo do ensino básico em escolas com outra estrutura pedagógica e de maior dimensão. Algumas das escolas fechadas, dada a sua arquitetura robusta e muito interessante, sob o ponto de vista arquitetónico, foram requalificadas para outros fins. Por exemplo: turismo de habitação, residências, sedes de juntas de freguesias, museus, restaurantes e sede de associações culturais.
O Plano Nacional de Alfabetização e Educação Básica de Adultos – Em 1970 para uma população total de 8.663.252 existiam 1.795.210 de analfabetos. Na primeira metade da década de 1970, Veiga Simão, ministro da Educação, foi autor e impulsionador de uma importante reforma que consagrou o direito ao ensino para todos e alargou a escolaridade obrigatória e gratuita para oito anos. Mesmo assim, dadas as diversas condicionantes sócio económicas e culturais da população portuguesa e às más políticas, o insucesso e o abandono escolar continuavam alarmantes. As segundas oportunidades educativas eram quase inexistentes e condicionavam a redução dos índices de analfabetismo. Após o 25 de Abril houve a preocupação de organizar programas de Educação de Adultos, uns bem sucedidos outros nem tanto, e, concomitantemente, alargar a escolaridade obrigatória para nove anos. O Plano Nacional de Alfabetização e Educação Básica de Adultos (PNAEBA), foi um dos instrumentos utilizados para debelar o analfabetismo, apontando para a definição das bases de implementação da Educação Permanente em Portugal. Esta estratégia caracterizava-se, para além de intervenções de características meramente escolares, pela alternância entre estudos, trabalho e outras atividades sociais, pela aquisição de conhecimentos através de um sistema de unidades capitalizáveis, pela possibilidade de certificação de saberes de vária ordem, adquiridos por outras vias que não apenas escolares, e seu alto grau de flexibilidade e adaptabilidade às características do adulto. Apesar dos percalços encontrados pelo caminho e dos obstáculos não facilitadores à sua implantação, desenvolveu, o PNAEBA, por esse país além, nos mais recônditos lugares, cursos de alfabetização, projectos integrados de desenvolvimento local, de animação sócio cultural e outros ligados às associações da comunidade. O método Paulo Freire serviu, muitas vezes (contra a vontade de tantos!), de motor curativo da ferida que abalava o pais, principalmente, nas aldeias mais isoladas e interiores. O PNAEBA, foi, estou convicto, o plano implementado mais arrojado, embora os resultados ficassem muito aquém do previsto pelo legislador.
A primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra (UC) – Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho (1871-1966), natural do concelho da Feira, foi médica, professora, escritora e política sendo a primeira mulher a frequentar a UC, onde teve de trajar sempre de negro e de modo sóbrio. Licenciou-se em Matemática, Filosofia e Medicina. Foi uma das primeiras três deputadas eleitas em Portugal para a I Legislatura da Assembleia Nacional. Foi poetisa e sócia da Academia de Ciências de Lisboa. Foi a primeira mulher, na UC, a abalar e a intrometer-se nos campos do poder masculino, dando um contributo assinalável para a igualdade de género nas escolas portuguesas e na política.
E agora, caro leitor, faça também as suas escolhas, tenho a certeza que são diferentes das minhas.