Conversas à solta (biscoitos ou o habilidoso ponto de crochet?), levam-nos de regresso à letra L para um saboroso e tradicional prato de leite-creme. A par do arroz-doce será seguramente um dos mais identitários doces de colher à mesa da portugalidade, em que a simplicidade dos ingredientes é mais uma vez realçada pelo toque singular de uma pintura (a cristais de açúcar, queimados a ferro quente, no caso do leite-creme, bordada a canela, no caso do nosso arroz-doce).
Em modo intermezzo, a página do nosso ABC da gastronomia é hoje em palavra… cantada, caríssimo leitor!, pois o nosso jornal acaba de assinalar o 104.º aniversário. Com sabor a celebração, as palavras aqui partilhadas são como que uma pequeníssima fatia de um receituário festivo que nos aguarda À Mesa da Portugalidade: canja de galinha, espumante e leitão bairradinos, pudim flan, mousse de chocolate e salada de frutas, “para desenfastiar”; e o bolo de aniversário?, perguntará o nosso leitor: um simples pão-de-ló que se redescobre personalizado com velas, a apagar, na esperança de desejos cumpridos.
Assinalar um aniversário convida a ficar à volta da mesa, “em amena cavaqueira”, sem que o tempo cronológico seja sequer tido em conta. É a partilha do mesmo espaço e tempo que é naturalmente mais importante, mas são os alimentos que nos permitem recriar e saborear memórias, de uma forma verdadeiramente holística.
Literalmente pegando e trazendo à contemporaneidade uma tradição da imprensa escrita, aqui fica a transcrição de um pequeno recorte, encontrado sem qualquer identificação de procedência ou datação, mas que nos parece absolutamente adequado para assinalar o 104.º aniversário do nosso jornal: “as suas amigas vão por certo, gostar de qualquer das receitas que dou. É só escolher as que mais lhe agradarem e… uma tarde alegre. Bolo simples.- 250 gramas de açúcar, 110 gramas de farinha de trigo, cinco ovos e duas colheres, de chá, de fermento em pó. Batem-se as gemas com o açúcar, com uma colher de pau, até estarem bem grossas. Batem-se as claras em castelo bem firme, misturam-se umas duas colheradas dentro das gemas e a seguir deita-se, pouco a pouco, a farinha, que deve estar peneirada, com o fermento, continuando a bater, até fazer bolhas. Nesta altura, deita-se na massa o resto das claras batidas, mexendo apenas para as ligar. Deita-se imediatamente dentro da forma, que deve estar preparada e mete-se em forno de temperatura média, para cozer devagar.”
Recuperando (e abusivamente adaptando) as palavras do pedagogo João de Deus, também ele nascido em março (não a 2 como “O Despertar” mas a 8, não em 1917 como o nossos jornal mas em 1830):
“com que então caiu na asneira
de fazer na terça-feira
cento e quatro anos! que tolo!
ainda se os desfizesse …
mas fazê-los não parece
de quem tem muito miolo!
não sei quem foi que me disse
que fez a mesma tolice
aqui o ano passado …
agora o que vem, aposto,
como lhe tomou o gosto,
que faz o mesmo … celebrado!”
Porque o caminho se faz caminhando, mantemos em aberto aquela que poderá ser a pergunta gustativa de 2021, o ano em que Coimbra é Região Europeia da Gastronomia (“o que se come aqui?”) e o desafio abraçado de continuarmos a descobrir, em modo colaborativo, uma possível identidade gastronómica de Coimbra e Região.
Relembramos que todas as terças-feira, nas redes sociais (@CCEC2027) há uma conversa em directo que nos convida a fazermos parte do caminho que levará Coimbra a Capital Europeia da Cultura em 2027 e mais além.
Até já e… tertuliemos “coisas” boas!