17 de Abril de 2025 | Coimbra
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JOSÉ RIBEIRO FERREIRA

Ser Cassandra ou fazer de Cassandra

18 de Fevereiro 2022

Troia fora conquistada, incendiada e destruída, por erros e imprevidências dos homens que não quiseram dar ouvidos a avisos e profecias de quem tinha esse dom. É ela que, no fim da Ilíada, primeiro vê, do alto da muralha, Príamo regressar com o corpo de Heitor.

Cassandra, jovem princesa e filha de Príamo e Hécuba – e a mais formosa delas –, tinha o dom de prever o futuro, aliás de parceria com o seu irmão gémeo Heleno. E, nessa qualidade, reconhecera o irmão Páris, quando na mocidade regressou – vimos que ao nascer fora exposto no Monte Ida (Ásia Menor) e aí criado por pastores –, e vaticinara que, se fosse de novo acolhido na cidade e no palácio, seria a causa da sua perda. Predissera que a viagem desse mesmo Páris a Esparta e o consequente rapto de Helena e sua entrada em Troia provocaria a destruição da cidade. Alertou para a ruína que seria meter o cavalo de madeira no interior das muralhas da cidade e lutara, juntamente com Laocoonte, para evitar que esse cavalo nela fosse introduzido. Mas ninguém lhe deu crédito, nem fez caso das suas advertências.

Duas são as versões sobre a obtenção do dom da profecia por Cassandra e tanto uma como outra com relação mais ou menos direta com Apolo. Uma, a mais tardia e menos divulgada, explica-o pelo facto de, deixados inadvertidamente, ela e o irmão Heleno, ainda crianças de berço, no templo do deus, terem sido lambidos, durante o sono, pelas serpentes sagradas na boca e nos ouvidos. A outra versão, muito mais conhecida e espalhada, foi concedido a Cassandra diretamente por Apolo, seduzido pela sua gracilidade, juventude e beleza. Como não obtivesse o deus, da parte da filha de Príamo, correspondência aos seus desejos, na impossibilidade já de lhe retirar os dons proféticos concedidos, faz-lhe perder os da persuasão e a credibilidade, de modo a que não sejam tidas em conta as palavras da jovem princesa e a que ninguém nela acredite. Pelo contrário, julgam-na louca – e uma louca delirante e em êxtase que só anunciava desgraças, ruína, sangue, calamidades…

E de tal facto nascem as expressões ser cassandra ou fazer de Cassandra, com o significado de só anunciar ou profetizar desgraças, de modo geral sem crédito de ninguém.


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