Se recuássemos a 1979, ano em que foi criado o SNS, encontraríamos um país muito diferente. Em mais de quatro décadas os avanços da medicina foram tais que se pode considerar o que se fazia na altura como rudimentar ou mesmo primitivo. A faixa etária até aos 19 anos passou de 3,3 milhões habitantes par 1,8 milhões. E as pessoas com mais de 65 anos passaram de um milhão para os 2,4 milhões. A esperança média de vida era de 71 anos, agora está nos 81 anos.
Só estes factos chegam para perceber que o SNS responde hoje a uma realidade muito diferente daquela para a qual foi crido. Desde 79 nunca houve uma reforma estruturada daquele serviço. Os sucessivos governos apenas despejaram dinheiro sobre os problema, recusando proceder a uma alteração significativa da oferta de cuidados de saúde que respondesse não só às necessidades da população, mas que fosse, acima de tudo, capaz de projetar o futuro.
A causa maior deste imobilismo é a incapacidade dos políticos olharem para a sua função de forma altruísta. Em vez de pensarem no que tem de ser feito a longo prazo, ficam presos nos ciclos políticos de tal forma que tomam decisões a pensar principalmente na sua reeleição. O ganho político de pagar (com o dinheiro dos contribuintes) para travar um problema é sempre infinitamente superior a de abrir uma guerra contra interesses instalados, ordens profissionais e até a opinião pública.
Fernando Araújo foi contratado como salvador de um sistema que deixou de ser capaz de responder com eficácia na prestação de serviços médicos compatíveis com o que exige num país que gasta para tal dezenas de milhares de milhões de euros da sua riqueza. A sua intenção era a mais nobre, mas por muitos conhecimentos e capacidade de gestão ”CEO do SNS” tenha, ainda não consegue fazer milagres. Mas há coisas que podem ser feitas além da velha mezinha que é recorre ao bolso dos portugueses.
Um dos últimos relatórios da Comissão Europeia e da OCDE sobre o estado da Saúde em Portugal (2001) mostra-nos uma triste realidade. Gastamos pouco em despesa de saúde quanto comparado com os nossos parceiros. Cada português responde por ano por cerca de 2300 euros, um terço abaixo da média da União Europeia. Desde a crise da dívida pública este valor tem subido de forma “constante, embora modesta”. Mas o que o Estado realmente gasta com Saúde é muito menos do que estes 2300 euros per capita e está ao nível de países como a Estónia, Eslováquia e Polónia. Isto porque quase 40% deste valor vem diretamente do bolso dos portugueses. Somos um dos países europeus que mais gasta em seguros voluntários de saúde (8,6%) e que mais dinheiro paga diretamente para ter acesso a cuidados de saúde (30,5%).
O SNS é universal, mas os portugueses optam por soluções privadas, pela fraca capacidade de resposta deste serviço. A cobertura pública é baixa, o que faz com que muitas famílias tenham despesas de saúde “catastróficas”, num valor que é quase o dobro da média da UE. Uma família entra neste patamar quando as despesas com saúde não reembolsáveis são superiores a 40% do total despesas, retirando custos com alimentação, habitação e serviços públicos essenciais. E este valor só poderá ter aumentado com o regresso da inflação e do disparar dos custos da habitação. E é fácil perceber que são as famílias com menor rendimentos que mais caem nesta situação.
A forma como está organizado o SNS está a provocar uma sociedade mais injusta. A falta de resposta estrutural vai apenas provocar maior fosso entre quem pode pagar e quem não pode. Novembro pode ser dramático nas palavras de Fernando Araújo, mas o futuro só pode ser catastrófico se insistirem em nada fazer. E dada a relevância da oferta privada é apenas estúpido não considerar este sector na resolução dos problemas. A cegueira ideológica está a matar os portugueses.
Não é preciso recorrer a números para perceber que se as urgências têm de fechar, então há falta de médicos. O discurso de que temos mais médicos do que muitos países da UE e falacioso. Segundo o mesmo relatório, “este número refere-se a todos os médicos habilitados a exercer, o que resulta numa sobrestimação quando comparado com os dados de outros países, que dizem apenas respeito aos médicos efetivamente em exercício de prática clínica.”