Mal refeito do susto de voltar a ser confrontado, a curto prazo, com a dissolução do Parlamento, o PS regressou às suas divisões intestinas que a ´geringonça´ tapou e a maioria absoluta destapou quando menos se esperava.
Para consumo interno, o primeiro-ministro deu a garantia, sem se rir, de que o Governo está “coeso”, não obstante a dúzia de demissão em nove meses, e os vários ministros que estão na ´corda bamba´ devido aos ´ casos e casinhos´ e continuam a levedar.
Da Agricultura aos Negócios Estrangeiros, das Finanças à Educação, das Infraestruturas à Defesa e à Coesão Territorial, ´venha o diabo e escolha´.
Por seu lado, em Belém, numa pausa entre viagens, o Presidente sentiu necessidade de clarificar o seu pensamento e reiterou que pôs de parte, por agora, a chamada ´bomba atómica´ no ´pacote´ de cenários em estudo, concedendo a António Costa, segundo o Expresso, a moratória de um ano para arrumar a casa e ´salvar´ a legislatura. Bizarro.
Acossado pelas zaragatas em crescendo no Governo e no partido, Costa entrou em perda de autoridade e de credibilidade com alguma ajuda de Marcelo, que percebeu em Murça – no diálogo tenso com dois interlocutores espontâneos e loquazes -, que a cena poderia repetir-se, caso continuasse no papel de ´pronto socorro´ de S. Bento.
Claro que apareceram logo os politólogos de serviço na área socialista, a atribuírem, a Marcelo tentações presidencialistas, contrárias à natureza e ao espírito parlamentar do regime.
O certo é que a falta de escrutínio e a sucessão de casos favorecem essa componente, até por estar à vista um circuito de impunidade, que permitiu, por exemplo, que a ex-secretária de Estado do Turismo, Rita Marques – exonerada em conflito com o ministro da Economia -, tenha mandado ´às malvas´ o período de nojo de três anos que estava obrigada por lei, aceitando ser contratada como gestora por uma empresa do setor que tutelou e beneficiou.
É vale tudo, sabendo-se de antemão que a sanção aplicável é quase simbólica!… E que nenhum ´mecanismo de controlo prévio´, montado à pressa, entre duas epístolas, resolve a falta de ética que contagia muita gente…
Sensíveis ao impasse e temendo o descalabro, alguns históricos socialistas – e outros menos históricos -, começaram a cirandar pelos media, alimentando novas polémicas para desassossego de António Costa.
A verdade é que os sinos já começaram a ´tocar a rebate´, e não faltaram os avisos, desde Teixeira dos Santos, o ex-ministro das Finanças de Sócrates, para quem “só no PREC vivemos esta instabilidade governativa”, até Paulo Pedroso que defendeu abertamente “seria melhor se a ministra da Agricultura saísse”, ou a António Campos, inquieto, porque “a democracia não suporta o que se está a passar”.
Em contrapartida, na ala mais ´costista´ do PS, Pedro Marques – eurodeputado e antecessor de Pedro Nuno Santos nas Infraestruturas – resolveu sair da sua ´zona de conforto´, para acudir ao partido em embaraços.
Para espanto de alguns, Pedro Marques atirou-se às ditas ambições de Pedro Nuno Santos, gabou-lhe cinicamente a “inteligência política”, mas fez-lhe notar que se espera dele que “continue a apoiar o partido e o Governo”, sem “começar aos tiros ao próprio Governo”.
Se na primeira maioria absoluta socialista de Sócrates este entregou o país quase falido nos braços da troika, na segunda, António Costa ´perdeu o pé´ e afunda-se desorientado, com a ´família primeiro´ e a metáfora das ´contas certas´ para enganar incautos.
Infelizmente, as oposições estão divididas quanto ao timing ideal para ´tirar o tapete´ ao Governo, receando que eleições muito antecipadas possam repetir a mesma maioria, ainda que não absoluta, devido ao peso do funcionalismo, dos aposentados e de outros subsídios dependentes do Estado.
A decadência infiltrou-se no regime, acentuada pela voracidade dos boys e giris do PS, que parece insaciável. Depois, pressente-se uma inércia malsã no eleitorado, agravada pelas incertezas da guerra na Ucrânia, pelos indicadores da inflação… e pelos cheques avulsos, que pesam naturalmente na hora do voto.
Por isso, ´congelar´ a dissolução do Parlamento é um argumento grato a Marcelo e que o líder da oposição não enjeita.
De facto, ficou claro na reunião do conselho nacional do PSD (e na abstenção da moção de censura) que Luís Montenegro prefere ´dar linhas ao peixe´, apostando, talvez em que o governo caia por dentro de cansaço.
Há mais de cem anos, Eça de Queiroz escreveu nas Farpas que “nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos carateres, mesma decadência de espírito”. Foi em 1872 e parece escrito hoje.
A história repete-se mais do que julgamos, Marcelo e Montenegro precisa de perceber isso.