“Quando falo em memória, penso principalmente em falta de memória”, afirma-o Rui Tavares. Eis um pensamento de alerta. Desencadear uma guerra é fácil, mas acabá-la é complicado. Assim aconteceu com a I Guerra Mundial.
Como expressa o estribilho, por todos conhecido, a I Guerra Mundial acabou à décima primeira hora do décimo primeiro dia do décimo primeiro mês de 1918. O mundo emudeceu. Num ápice, o silêncio tomou conta dos que não pereceram. Estupefactos ficaram. Logo após, veio a festa. A festa feita com o pouco que restou. Quase nada.
Os nossos soldados haviam lutado aguerridamente nas trincheiras da Flandres ou perto de Verdun, onde os ratos, a fome, o frio e a metralha, transformavam a vida em morte anunciada. Todos os dias. Se pudessem colocar o olho de fora das valas tenebrosas, observavam, em redor, uma devastação inenarrável salpicada de cadáveres mutilados com corações desapegados.
Partiram de Portugal mais de 100 mil homens para as diversas frentes de guerra. Mal treinados, mal equipados, mal fardados. Com a marmita vazia.
Cerca de 53 mil chegaram a França em 1917, e, dos excedentes, a maioria embarcou em direção a África. De acordo com vários historiadores credenciados, morreram em França 1935 militares.
A I Guerra Mundial foi um morticínio. O seu balanço final calamitoso. Em quatro anos de guerra, foram mobilizados mais de 70 milhões de soldados. Morreram 10 milhões de pessoas e mais de 20 milhões ficaram feridas. O conflito originou mais de 10 milhões de refugiados, foram contabilizados mais de seis milhões de prisioneiros. O número de órfãos atingiu também os seis milhões. A pobreza que se seguiu é inclassificável. A destruição das cidades, vilas e aldeias, fizeram chorar lágrimas de sangue. Restavam destroços. Ao olhá-los, os sobreviventes pensavam que tinham aportado ao Inferno. Também ao fim de todas as guerras. Afinal só chegaram ao Inferno. Foi tudo em vão, dali a uns anos, viveu-se a II Guerra Mundial. E a III pode estar à nossa beira incrivelmente veloz, acessível a todos, a qualquer hora e em qualquer lugar, basta os humanos não repensarem os seus modos de agir e cuidar.
A xenofobia, o racismo, o nacionalismo, estão a florescer na Europa e noutras partes do globo. Aonde vai levar este ressurgimento? Eu sei que todas as guerras começaram por aqui. Tenho medo. Sinto a Europa e parte do resto do Mundo, a fechar-se ao outro. Aos refugiados, por exemplo, o que me atira para memórias extremamente cruéis. Não pretendo viver, os anos que me restam, numa Europa Fortaleza de que tanto falava Hitler.
Tenho horror às pátrias fechadas e às fronteiras com muros. Tenho aversão às fortalezas de Trump. A III Guerra pode passar por aqui. Morrer será doutra forma: porventura, sem canhões. Possivelmente sem armas nenhumas, apenas com algoritmos e folhas de Excel.
Mas morre-se e despenha-se tudo. Tudo o que foi construído, com tanta euforia e certezas p`ra ficar de pé. Na era da robotização e do ciberespaço morre-se, mas, vertiginosamente, haverá muito sangue, sangue incolor computacional.
(Observação Importante – Portugal na 1.ª Guerra Mundial-Uma História Concisa. Vários autores, 1162 páginas, poderá ser gratuito a pedidos para cphistoriamilitar@defesa.pt).