11 de Dezembro de 2024 | Coimbra
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MANUEL BONTEMPO

Postal ilustrado

22 de Março 2019

O teu choro Emanuel não aparece mitificado numa tensão cósmica e irresistível com a sua tendência com as leis naturais.

As tuas lágrimas surgem imprevisivelmente em cachão no teu coração de homem sensível. Se está latente e adormecido pelo tempo que passa após tantos sofrimentos, o choro rompe de súbito aquando do conhecimento da grave doença que tens, dessa terrível patologia que te obriga à continuidade e à necessidade de chorar.

Alguém ficou chocado ao defrontar o teu artigo, quase um manifesto rimbaudeano, desencantado, perante a vida em que negas Deus.

Tu, como Renée, a figura feminina, que foi repórter do curioso quotidiano, das denotações das vaidades, do louvor alheio, da emulação e da inveja, transformam o sofrimento em tragédia grega.

Se a nossa amiga tem um carcinoma sofre com resignação e tu choras. São iguais mas não reagem ao mesmo fenómeno.

Ambos gostam de apontar os contertúlios dos medíocres mas não devem descambar para o desespero físico numa luta que se resume em esperança.

Achamos não haver razões para ocultar a existência do teu mal, pois ocultando-o perdes vitalidade para a luta a enfrentar.

Se cada um é dono do seu pranto porque motivo um homem não há-de chorar?

Não encontramos ninguém com autoridade para ânimo leve ajuizar quem vive sabe Deus de que maneira, com o medo do mal que o apoquenta.

Dentro de cada uma há uma verdade que é sempre construtivo revelar dizendo-a como saiba, possa e queira.

O choro, Emanuel, é por vezes um respirar a plenos pulmões, respirar a atmosfera sentimental do coração, paisagens, locais, possuir em si a sensibilidade da densidade interior, e viver, a certeza da dor ou de fatores frustrantes que serão vencidos, sempre que a pessoa faz das fraquezas a força para a vitória, como tu deves fazer, quase uma lenda viva dos velhos tempos de Coimbra e de Lisboa.

Sabemos da tua doença, é grave! Mas todos juntos vamos vencê-la. E começa por ti.

O choro, Emanuel, é comum aos homens fortes, que se batem por um ideal, por uma utopia, por um sonho, por amor, que pelejam por uma causa justa.

E tu, amigo, tens a tua mulher e as tuas filhas. Luta pelo menos por elas.

O cancro é um mal terrível que me avassala há anos e só neste mundo com a perda de toda a família, ainda me resta a frágil esperança de um porvir melhor.

Conheço vários IPO e todo o mundo íntimo, os bons amigos sabem desta luta inglória. Mas não choro!

És um homem forte. Justo. Humano. Mas uma criança mimada que chora mal se apercebe que tem uma doença grave. Traiçoeira, mortífera, que desgasta todas as fibras sensitivas…

Vamos todos combater este flagelo. Em Coimbra, Lisboa e em Paris, os três locais da tua peregrinação, do teu labor profissional há bons médicos.

Nunca escrevas manifestos surrealistas tipo André Breton, e canta a vida e vence a morte.

O choro, meu velho amigo, não é só estranho desespero mas também, paradoxalmente, a delícia própria de se estar vivo.

Só os cobardes dizem que não choram. E nós, todos nós, que te admiramos, sabemos que tens motivos para chorar, toda a vida é um “Nocturno” de Chopin para quem tem cancro!

Aceita os votos de melhoras dos que te respeitam e admiram e jamais te abandonam nesta hora trágica.

A solidariedade com o teu grande sofrimento comum a todos que têm este “inferno”, é lenitivo para a cura. Ou por voltar o teu escancarado sorriso…


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