11 de Dezembro de 2024 | Coimbra
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MANUEL BONTEMPO

Postal Ilustrado

1 de Março 2019

Li e reli a poesia do livro “A Quarta Sedução” de Maria Alcina que também se aventura pela pintura com assinalado êxito na sua primeira exposição na Casa da Cultura, onde, surpreendentemente, vende toda a obra exposta.

A escritora usa a metáfora e uma linguagem acentuadamente profunda e extensa como usasse a tese aristotélica ou o pendor introspetivo onde amiúde surge o corpo e o espírito, seja numa paisagem platónica ou numa complicada inspiração kantiana tornando, não raro, a poesia hermética mas que se vai harmonizando através das páginas, na salvação do “verso”, da essência, da ideia que lhe dá por acréscimo a unidade e a verosimilhança para não descambar num beco sem saída.

Poeta singular. Gosta dos termos e das imagens burladas pela filologia, da ressonância, este livro “A Quarta Sedução” é, sem dúvida, o seu melhor livro.

Há, no entanto uma inteligibilidade subjetiva (no eu e não eu) que afasta a poeta do lirismo tradicional e radica posições estéticas, umas de grande estofo e outras de menor valia, que se unem e se destroem, como a autora se despisse de todas as regras para colher “o belo das imagens”, o belo físico, o corpo da ideia, numa ânsia desmedida de criar uma teoria do belo numa pretensa teoria de justiça à cultura como ato de primeira grandeza lembrando o liberalismo metafísico da poesia francesa do século XX, ou seja, dos poetas mais representativos.

Maria Alcina é poeta. Participa com a sociedade. É uma autora preocupada com a coletividade, com a arte e a cultura.

Se o livro “A Quarta Sedução” não é, em certos ângulos, a desejada sociabilidade que permita avistar a autobiografia, subjacente pela gramática de uma cultura implícita, é, por outro lado, o fogo sagrado de um desejado lirismo para a cultura contemporânea, dos dias que correm, para Coimbra.

E há um lirismo saudosista escondido, do homem de carne e osso, que vive, ama, deseja, que faz amor.

A sensualidade do livro é amarga resultante dos conflitos que se chocam na estesia de Maria Alcina, intelectual e presa, por vezes, à ética cáustica que a impede de se libertar da inquietação do seu espírito em procurar as necessidades biológicas transformadoras de outras imagens.

Livro de primeira água que lembra os Sintesistas de Paris que produziram belas obras, quer na poesia e quer na pintura.

A heterogeneidade dos bens culturais, a criação bem vista as coisas, e, em Maria Alcina uma atitude social como traço formal dum triplo critério: o simbolismo partilhado pela lógica, as imagens dadas pela frieza germânica e o descritivo dum ser que não se encontra no vazio das suas emoções.

Livro, no fundo, para ler e reler.

Poetisa com enormes potencialidades vai para além dos “versos” para imprimir a semântica das palavras, a significação etimológica, do saber escrever modelarmente, fiel a um classicismo que pouco se renova nas suas páginas e se encaixa num surrealismo de atitudes e de emoções.

O livro “A Quarta Sedução” é um esboço do juízo estético que propõe a autora no prolongamento do seu senso artístico, pintura e poesia, da sua ânsia cultural de explicitar o seu “eu-sociedade”, dando-nos um livro em grande parte do seu subconsciente, do seu “eu” reconstruido, numa leitura nem sempre fácil e que se mantém ao mesmo tempo incoativa, na verdade, virtual, mas com algumas virtudes e os contrastes académicos e convencionais de uma autora eloquente no nosso meio.


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