Por inabitual inércia da esquerda, foi oferecido a André Ventura a possibilidade de representar em Portugal uma enorme percentagem do mercado eleitoral desiludida, descontente ou simplesmente dormente.
Impedida pelo rancor que nutre pela liberdade de expressão contrária, a ala politicamente correta do triste espectro político português conseguiu o feito assinalável de acordar, com o seu bulício censório, grande parcela dos que jaziam placidamente inertes e higienicamente afastados do nosso sistema eleitoral.
No mecanismo democrático atual, mediatizado por ´redes sociais´ comandadas por algoritmos ´capitalistas´ e por meios de comunicação social povoados a maioria das vezes por controladores estatizantes e peões acríticos, não há necessidade de apelar a questões ideológicas, pois poucos as entendam e menos as pensam.
Sabendo isso, a brigada que se arroga o direito moral de supervisionar os bons costumes e os ideais bem-pensantes, solidamente acantonadas à esquerda, apregoa exaltada a chegada do nefasto populismo de direita do Chega.
Contudo, a substância de tal argumento apenas pretende a adjetivação fácil e consequente subvalorização (em paralelo com a sobrevalorização da ameaça produzida pelas ´forças de direita´) de um conjunto de ideias que medram anónimas ao povo que a esquerda e o centro institucional (izado) abandonaram ou no seu aburguesamento, esqueceram.
Do alto deste seu afastamento culpado – e a que André Ventura teve a displicência de dar uma voz – cultivam intencionalmente o mito de um retorno de a uma Idade das trevas pré-revolucionária para daí extrair benefícios imediatos e votos interessados.
No mercado eleitoral (que a esquerda despreza na exata medida em que este é um mercado livre) a procura do voto é muito superior à oferta). Esta escasseia e devolve a sua apatia aos políticos na esclarecedora percentagem de abstenções que não cessa aumentar desde a euforia dos primeiros e ilusórios mas de ´democracia´.
O recurso a um antagonista, parte essencial de qualquer trama, é também o (último?) recurso dessa franja perdida e órfã das ideologias revolucionárias que uma guerra fria conseguiu preservar por mais tempo do que seria racionalmente expectável. A esquerda, publicamente correta e intimamente cega, encontrou o seu vilão em André Ventura, e com ele a possibilidade de ilustrar, com recurso à personagem, todo o mal que pode ser evitado aos que estiverem dispostos a adquirir o ´ticker´ da ´virtude´ da falácia. Afinal, é grande a sua experiência nos bons resultados que o medo inspira.
A Ventura cabe a decisão de acatar o papel, permitindo-se ser a contra – voz no argumento que lhe estendem com a sinistra, ou converter-se na persona que espera ser junto dos segmentos da população que esqueceram já a política como gestão do bem comum para olharem como gestão dos bens de alguns. Irá ele abandonar gradualmente o atual personagem e encaixar-se no papel institucional que falta à direita desde que instalado no nosso país o enorme complexo de esquerda que o domina?
Ao mesmo tempo que, por conveniência a vacuidade dos ideários da esquerda, o discurso vigente assenta num politicamente correto manual de comportamento André Ventura dispõe de uma imensa área eleitoral dizimada por anos de desprezo e arrogância. Os seus adversários regozijam-se no vazio e saboreiam a narrativa simples que a mediatização ajuda a veicular; cativam um público educado pelas televisões e obcecado pelo ´scroll´ frenético.
Ele, atentamente observado à distância por uma imensa minoria silenciada, dispõe da oportunidade de conquistar uma maior quota naquele mercado, se a oferta que tiver para fazer for ao encontro das necessidades da sua procura. O momento é propício, a concorrência débil, mas Ana Gomes também sabe tudo isto.