A situação em Odemira tem sido observada do direito e do avesso e dela devem ficar fortes alertas. Infelizmente, não é só em Odemira que há trabalhadores vítimas de violação dos seus direitos fundamentais – o trabalho, a segurança e saúde, na habitação. Entretanto, ali os contágios regrediram e as cercas foram levantadas.
Mas numa perspetiva estrutural, o fundamental dos problemas continuará: está instalado naquele concelho um sistema produtivo insustentável, desarticulado das circunstâncias demográficas e ambientais locais e em conflito com elas. Num mundo que faz um uso irracional da terra, estas opões até parecem impulsos para o desenvolvimento. Todavia, se não se fizerem profundas correções as faturas serão pesadas.
Uma das facetas dos processos de financiarização que caracterizam o capitalismo contemporâneo é a aceleração da transformação dos territórios e plataformas extrativas de valor económico, que adicionam a recursos locais “fatores produtivos” importados e transformam o resultado em, lucro nos mercados globais.
É assim em Odemira: há uma economia agrícola que acrescenta ao solo, à água e ao sol disponíveis no território outros elementos exógenos, nomeadamente, adubos químicos, pesticidas e força de trabalho humano. No final de cada ciclo expedem para o exterior produtos baratos em grande quantidade enquanto despacham a mão-de-obra que os produziu.
A força de trabalho humano pata servir a engrenagem, é importada em vagas sucessivas e sem condições dignas. Em regra, são pessoas isoladas e desprotegidas e algumas ansiosas por rumarem a outros destinos melhores.
O que se passa em Odemira está a ocorrer em muitos outros territórios de características diferentes. As consequências ambientais e sociais sofridas em todos eles são pesadas. As atividades económicas que transformam territórios em plataformas extrativas exportadoras são brutais com a natureza, degradando a relação metabólica homem/sociedade/natureza e são impiedosas com os seres humanos que usam como recurso, ou como fator de produção.
As empresas integradas nesses sistemas produtivos transformam-se, elas próprias, em meras utilizadoras e beneficiárias finais de trabalho humano, com quem procuram não ter qualquer vínculo duradouro.
O “mercado de trabalho” base que se encontra em situações como a de Odemira é, em geral, força de trabalho alugada a intermediários parasitários, legais e ilegais, que se dedicam, à exportação/importação de seres humanos. Os vínculos são estabelecidos entre os trabalhadores individuais e essas entidades parasitárias que atuam, na fronteira da legalidade A ausência da efetividade das leis laborais não dá espaço à dignidade.
O Governo, o Presidente da República, e partidos políticos que só se indignam, com supostas violações dos direitos de propriedade, e a Justiça não devem, fingir-se surpreendidos quando estas ruturas sociais se tornam escândalo.
Resolver a situação de Odemira e de outras realidades idênticas terá de ser bem mais que declarar cercas sanitárias e atamancar alojamentos. Implica planeamento e políticas orientadas para a reconversão dos sistemas produtivos locais, articulando economia, sociedade e ambiente com diversidade produtiva e densidade das suas interdependências internas, em sistemas em que a economia seja compatível com a demografia e o ambiente.