É sem dúvida uma missão geracional a preservação e a valorização do património cultural de um dado país, referindo toda uma herança material e imaterial. Enquadra-se neste conjunto de definições o “património de gaveta”, aquele que permanece escondido e cerrado em grandes arquivos sem que seja valorizado, estudado e divulgado. Não é de admirar quando se trata de acervos privados ou familiares, mas não se perdoa quando grande parte destas obras, estão em posse de universidades, bibliotecas e demais instituições públicas.
É vulgar para aquele que estuda, investiga e se interessa pelos mais diversos temas, encontrar verdadeiros tesouros fechados nestes arquivos. No caso de obras bibliográficas, por vezes verdadeiras peças históricas e literárias (diários, crónicas, ensaios, etc.), é comum este acontecimento. Alguma parte destes espólios é divulgada, ficando outra parte omissa ao mundo, sem que por vezes não haja qualquer permissão para a poder visualizar.
No grande leque deste “património engavetado” deixo o exemplo da vasta obra do ilustre Historiador Belisário Pimenta, conterrâneo que possui uma larga coletânea de páginas que compõem cadernos, artigos, álbuns fotográficos, etc. Toda a sua obra está sobre a tutela da Universidade de Coimbra, que disponibiliza alguma da bibliografia do autor assim como algumas das suas fotografias. Entre as obras a que é possível ter acesso, destaca-se a falta de valorização por parte das próprias instituições de ensino, editoras e mesmo autarquias, em lhes dar a edição e a publicação merecida que nunca tiveram. “Passeios e Viajatas” é uma dessas obras que merecia tal distinção. Obra escrita na primeira pessoa por este Beirão, que até mesmo na sua própria terra deveria ser mais honrado.
Refiro como exemplo o presente caso, no entanto a situação repete-se dos pés à cabeceira do país. Fragmentos literários e artísticos que revelariam a resposta a muitas questões académicas e regionais, que arrumados em estantes e gavetas continuam com acesso restrito sem que muitos lhes possam pôr a vista em cima. Catedráticos, investigadores e alguns estudantes poderão ter acesso a alguns destes manuscritos ou objetos, mas e os restantes cidadãos que se interessam por tantas matérias que esses autores abordaram, porque não podem remexer com respeito estas heranças públicas? Que estranho país é este onde são capazes de nos esconder a nossa própria cultura?
As respostas são sempre as mesmas: tudo tem custos, falta de meios, falta de tempo, etc. Quanto à permissão para chegar a estes arquivos coloca-se um segundo problema, que para alguns chega a ser enigma: a dificuldade que os responsáveis parecem ter em entender porque razão um agrónomo quererá ter acesso a um grande fundo de Letras, de História ou Antropologia, assim como não entendem porque razão um arquiteto quer ter acesso a um grande arquivo relacionado com Fitotecnia ou outras ciências.
O conhecimento e a curiosidade vão muito além da vocação. Os objetivos de vida podem ser sempre muito vastos e dispersos. O interesse, a atração por algo, sempre levou a que existissem grandes nomes da literatura que sempre foram médicos, a que existissem bons historiadores e investigadores que meramente foram secretários. Não será necessário elencar mais exemplos, pois acho que se entendeu a questão. A cultura deve ser servida a todos nas suas mais variadas formas, sendo esta o único prato que matará a fome da ignorância e da curiosidade. Todos deveríamos ter a oportunidade de procurar e vasculhar o que nos escreveram e o que nos deixaram, pois para que o futuro possa seguir é necessário entender e valorizar o passado e não escondê-lo e desprezá-lo.