Foi um ser singular que acreditou na possibilidade de redenção do homem predominantemente moral e justo. Lutou contra as injustiças, as perseguições, a crise do idealismo platónico, do afeto humano.
Poeta de craveira, compositor e cantor de estirpe mundial, as suas canções contribuíram para o aperfeiçoamento do homem enquanto ser coletivo!
Sabemos do seu prestígio além-fronteiras, do culto pelo seu nome, da sua obra poética e musical e a importância da sua filosofia social em aprofundar o homem num direito ambicionado, equacionando nas suas letras as dúvidas e procurando sempre não isolar o homem como ser gregário das suas virtudes e das suas ansiedades sociais.
Zeca Afonso continua a ser debatido entre nós, e lá fora, por vezes nos limites dum neo-realismo que se explica, parece-nos, por uma significação existencial deste talentoso artista procurar exprimir a depressão do homem português sujeito às maiores injustiças por políticos transfigurados em ditadores!
Libertou ideias, conceitos e criou outra realidade de liberdade, que servia a arte, nomeadamente música libertadora e a poesia e ainda hoje é um símbolo para a nossa cultura cívica em várias vertentes.
Na originalidade dos seus acordes e dos seus versos, renovadores e humanizados pela luta a favor da dignidade do homem português e replicou à sua geração e às vindouras as leis da liberdade, que se conquista, mesmo com sacrifício, mesmo com a prisão, da própria vida, de cara a cara, como insigne trovador fez durante a sua vida, a começar por Coimbra onde foi a terra que teve o condão de ser o breviário comprometido com o povo.
Liberdade inerente ao intelectual e professor como foi Zeca Afonso, o artista, o criador visionário que criou outra ética, uma mística cívica, a forma de sentir o povo espezinhado, de se expressar a favor do bem comum, genuíno filósofo de luta, do pensamento missionário dos explorados, desfazendo mitos e criando as nossas esperanças, numa epopeia que galvanizou o país inteiro debaixo do ferrete duma direita salazarista e do neoliberalismo de políticos governantes cheios de aforismos antitéticos como agora os mais pobres, ainda mais pobres ao invés das grandes fortunas e da corrupção que atinge políticos, cujos julgamentos tardam.
Zeca Afonso, um dos vultos mais ilustres do século XX, foi elogiado por Jacques Brel e Georges como eles defensor das justas causas.
Foi sempre um idealista que depurou as ambiguidades, os falsos profetas e purificou o “povo do Inferno de Dante”, deitando por terra atitudes lascivas políticas, fascizantes, para criar uma arte genuína, vivida por todos os amantes da Liberdade, da Fraternidade e da Justiça.
Foi ele – e é – após trinta anos da sua morte um grito de inconformidade, uma natureza mágica, um momento de beleza ímpar, que redimiu o homem português do purgatório.
Já foi homenageado em Coimbra como um dos mais ilustres estudantes da sua Universidade.
Embora se sinta na pele os impostos e os salários de miséria para os mais desprotegidos ou sem estatuto o exemplo deste tribuno da cultura e da justiça é dos mais brilhantes trânsitos históricos da nossa identidade!
Passou a vida a fundamentar a procura de novos valores, e assumiu como poucos, uma atitude de grande dignidade respeitante às circunstâncias individuais e coletivas, quer no tempo e quer no espaço.
Ainda hoje é referência por essa Europa fora, nomeadamente, em França, onde Jacques Brel considerou o nosso compatriota um artista de outro mundo.
Curiosamente houve quem afirmasse ter a sua obra honesta e imparcial algo de Renan nos conceitos abrangentes, a agressividade incómoda de Simone Beauvoir e o idealismo de Protágoras e introspeção de Platão!
E as comparações foram muitas mas este último trovador foi único e Sartre encaixou-o no existencialismo humano de bem-fazer.
Fecharam-lhe à cátedra e expulsaram do ensino esta figura majestosa.
Afinal Zeca Afonso foi – isto sim – um dos mais ilustres portugueses do século XX! E a sua obra aproxima-se da ciência positiva e do mistério da condição humana que o insigne cantor e poeta procurou desvendar…