Idalécio Cação, no prefácio que fez à minha obra “Os Lazarilhos da Gândara” refere, como pontos fulcrais da temática que ali abordo, ”o vinho e o sexo (…) e o império machista do homem da casa”. Foi a partir daqui que me propus tratar o tema em questão, evidenciando realidades que, por estas terras, há muito deixaram de ser tabu, ao serem assumidas naturalmente pelos protagonistas e pela própria comunidade.
Quanto ao vinho, o primeiro ponto destacado, é sabido ser ele de alguma forma o responsável por atitudes que a sociedade nem sempre aceitou de bom grado, mas que não podiam deixar de povoar o espaço de Os Lazarilhos. A respeito da problemática do sexo e do referido império machista são muitas as questões que se devem equacionar antes de se pensar que há respostas para cada situação. Os testemunhos que temos cabem em relatos desde há cem anos, que nos dizem o como e o porquê deste tipo de relações íntimas. “Filhos por amor de Deus” sempre os houve por aqui: a mãe quase sempre sabia quem era o pai mas, porque “ela se dava àquele e a outro”, na hora do registo o rapaz arranjava meia dúzia de amigos que iam jurar ”também lá ter andado”! Outras, ainda que fiéis ao parceiro, pura e simplesmente ficavam-se quietas, pois o que podiam aquelas mulheres contra um senhor lá da terra que lhes dava trabalho e que a ajudariam a criar a criança, ainda que não casasse com ela? Quando o pai era casado, ou ainda que solteiro e a maior parte das vezes solteirão, ao ter mais mulheres nenhuma levantava problemas, tentando-se a familiaridade entre todos. Se vinha um filho a partir de uma relação de namoro assumida, “ela tinha sido enganada”, mas quase sempre ocultava o nome do pai para não o confrontar, na esperança de que viessem a casar.
E aqui a estória daquele pai que mostrou ao namorado da filha grávida a espingarda que tinha pendurada na chaminé! Não obstante, aparecem filhos registados com pai incógnito, casando-se os progenitores posteriormente mas, por esquecimento, não corrigindo a legitimidade. A submissão da mulher ao marido em tempos mais recuados era tal que quando ele se lembrava de arranjar outra ou outras, aquela não tinha forma de pôr cobro a tais situações, pois não conseguia sobreviver sozinha com os filhos se o seu homem a deixasse. E é por isso que encontramos com frequência os chamados homens de duas e três mulheres, às vezes familiares, a viverem na mesma casa, dormindo e fazendo vida com a mulher e com as outras. De todas geralmente havia vários filhos que entravam nas casas uns dos outros e bem conviviam com estas situações. Há igualmente testemunhos de a mulher, o marido e a “amiga” dormirem na mesma cama, muito frequente quando aquela era mais idosa que esta. E se aquela morria primeiro os sobreviventes deviam manter-se juntos por vontade da falecida, enquanto se fosse a ele que tal acontecesse, continuavam ambas uma com a outra pois “se a gente se dava bem antes, porque não se há-de dar bem agora”?
Aquando da emigração pelos anos sessenta surgiram por aqui as mais variadas situações no decurso de relações assumidas pelos homens que andavam muito lá pela França, onde tinham “amigas” e que nas férias visitavam com ele a esposa, ficando todos lá em casa e mesmo dormindo juntos, tendo esta última a preocupação de lhes proporcionar o melhor bem-estar possível, deixando-os na cama, enquanto lhes vinha fazer o café da manhã. De tudo um pouco por aqui aconteceu. E nem sequer faltou o episódio do filho que, regressado da América, levou um dia o pai às “meninas” estando a mãe ao corrente da situação e questionando o marido, à saída, se ele tinha mudado de roupa de dentro. – Olha que eu não quero que “elas” digam que tens uma mulher porca”!