A guerra bárbara que resultou da invasão ilegítima da Rússia à Ucrânia teve, entre muitas outras, a consequência de fazer esquecer factos e acontecimentos, que noutros tempos ocupariam as atenções e programas de opinião.
O Corona vírus deixou quase de existir no espaço noticioso, mas continua perigosamente silencioso; as questões de política interna passaram a ter importância de rodapé tirando aquelas que de alguma maneira tenham a ver com a “operação militar”, como foi o caso do PCP e a votação contra a resolução do Parlamento Europeu de condenação da Rússia. Ninguém quer saber das eleições do PSD, e poucos se empertigaram com o caso Mariana “Robles”. A Mariana escapou quase ilesa, não obstante umas ligeiras “pancadinhas”, especialmente nas redes sociais. Do que se livrou!
Aceitando a perda da prioridade, julgo que, pelo menos é necessário sublinhar que as contradições entre as convicções políticas e o quotidiano não são virgens no Bloco e, quer queiram ou não, mancham e ferem a credibilidade do partido. Como se pode ser tão implacável, vigoroso e tão rigoroso quando se aponta o dedo para fora e depois sermos tão laxistas e condescendentes internamente? Todos nos lembramos do “Robles”, e agora o caso da comentadora Mortágua e não esquecemos a nomeação da filha do Louçã para assessora do grupo parlamentar; ou seja, a moral do Bloco não se aplica ao Bloco.
Não obstante a contradição clara dos termos, a Mariana foi salva pela guerra. Mas não há como não nos deixarmos absorver pelos factos que ocorrem na Ucrânia pois somos “bombardeados” de manhã até à noite por notícias, imagens, comentários, opiniões, nas televisões, nas rádios nas redes socais, deixando de haver espaço para tudo o resto, ou o que resta passou a ser tão mesquinho tal a brutalidade da realidade.
Concordo, genericamente, que o que está em causa nesta guerra, para lá da luta pela integridade nacional ucraniana, também a luta entre um modelo de sociedade que é o nosso, mundo ocidental, democrático livre, solidário próspero, em contraponto com outro modelo que reconhece a força e a opressão algumas das suas características fundamentais.
Por isso, não podemos esquecer e temos de sublinhar que a direita europeia andou nos últimos anos enamorada por Putin e, assi é necessário confrontar os protagonistas, pedir-lhes contas, saber até que ponto foi o “namoro”…
Estes tempos extraordinários vão inevitavelmente fazer-nos confrontar com as nossas verdades valores e convicções, mas também com as nossas fragilidades e fraquezas tornando-nos a todos muito mais expostos. As reacções têm sido muito emocionais, mas não pode ser desculpa para as inaceitáveis proibições de transmissão de canais russos de televisão, ou cancelamentos de tudo o que “cheire” a cultura russófila; a que se despeçam artistas pela sua nacionalidade, contrariando tudo aquilo que julgamos defender. É lamentável que sob a capa da luta pela democracia e pela liberdade, se proíba, se cancele, se censure. Esta contradição é insanável.
Continuo a impressionar-me com as imagens de famílias separadas na fronteira, ficando os homens para trás, sendo irrelevante se o fazem voluntária ou obrigatoriamente. Espero escutar as vozes das activistas sociais agitando as bandeiras coloridas, brandindo contra a descriminação de género.
Esta evidência, permite constatar o quão frágeis somos como sociedade, o quão perenes são as nossas convicções e valores e como se torna evidente que temos andado na periferia das causas importantes.