Foi numa destas tardes de outono, que me dei a percorrer as ruas da Alta como quem quebra a rotina por uns instantes. Trepar a colina desta cidade é como quem escala uma montanha robusta e mítica, coroada pelos mais altos símbolos da cultura e do conhecimento. Quem sobe a Couraça de Lisboa jamais consegue passar indiferente ao que dali a vista alcança. Assiste-se daquela íngreme ladeira a uma paisagem talhada pela natureza e pelo Homem, traços de um casario antigo, forjado entre uma arquitetura contemporânea que em Coimbra se encaixa singularmente entre as paredes dos conventos, pois Coimbra é terra de Mosteiros, onde se semearam as primeiras sementes da pedagogia que deram o fruto intelectual de que hoje esta terra se conhece. As ruas cruzam-se em vielas carregadas de memórias, culminando estes fragmentos do tempo numa barca cheia de lendas que atracou para sempre nas margens do Mondego, águas que passeiam os pés desta Musa a quem os salgueiros fazem vénia vergando-se de saudade. Prosseguindo esta rua calcetada a calhau rolado, que com azar nos faz escorregar, vão-se escondendo do olhar as serranias que moldam o horizonte viçoso do nascente assim como as planuras do Baixo Mondego que se estendem até ao mar.
A Cabra parece que me ia chamando com o seu badalar solto e timbroso. Chegado ao largo da Porta Férrea, nem sei se eram mais turistas que estudantes. Esta Atenas velha e soluçante de emoções continua a ser o ponto de atração de um Portugal mais rural que urbano, fincando por vezes esse lado rural longe destes visitantes dos quatro cantos do mundo, mesmo estando por perto. Tratados os assuntos que aqui me traziam, desci ao Jardim Botânico onde Brotero saúda no seu trono que vai escurecendo com as feições do tempo. As folhas vão forrando o chão deste nobre jardim, onde as mais variadas espécies caducas se vão libertando daquele castanho cru, tonalidades de uma estação em que o vento e a chuva atenuam o coro salutante das aves.
Foi neste ambiente magistral que me deparei em pleno jardim com uma exposição de imagens magnificamente expostas, “Douro – Exposição de Arte Pública”. Num conjunto de módulos iluminados ali se apresentava na cidade do Mondego uma sentida obra fotográfica, reflexo de costumes e paisagens, artes e rostos de um povo que talhou a região do Douro de escadas erguidas ao céu, como que elevando no viso dos montes um cálice de vinho, “fruto das videiras e do trabalho do Homem”. Poder assistir àquelas imagens foi sem dúvida encontrar as margens de dois rios distantes, mas tão próximos na sua cultura de portugueses que são. Além dos tantos filhos da região Duriense que estudaram e partiram, outros que vieram e permanecem em Coimbra, referir nomes como Miguel Torga, Trindade Coelho, entre tantos outros é elencar a ligação de pessoas que por muitos anos tiveram o corpo às margens do Mondego, mas de alma sempre afincada ao Douro que os viu desde a meninice.
Se “todas as águas se encontram no mar”, o Douro já terá fundido o seu mosto com as águas do Mondego, angustiadas de amores e frias de neve.