O Mundo vai quebrando aos poucos a imobilidade feroz e tocante a que se entregou há mais de um mês. O mundo parou como nunca tinha estagnado. Cidades desertas, vilas e aldeias parcialmente mudas onde a ausência se tornou mais forte num significado mais grave. As ruas são agora tapetes de desânimo e de solidão, os sons são mais leves, o silêncio consegue mesmo ferir em alguns lugares. Quebraram-se rotinas a nível pessoal e profissional, mas também de espírito, levando esta “guerra” a emergir a mente numa reflexão profunda do que somos, de onde viemos e para onde vamos. Uma pandemia, um inimigo oculto, num século digital que se torna, a cada dia, cada vez mais eletrónico e distante. Que sirva a aflição do mundo, para que muitos cismem o que é o afeto e a simplicidade das coisas, se pensarem nisto vão talvez entender o cerne da felicidade. Quando a esperança se manifestar na realidade, (“vai ficar tudo bem!”) bem poderão colocar em prática o efeito mental e translúcido desta paragem, pois para já não podemos ser felizes assim, longe de tudo e de todos, distantes do toque, do sorriso, do abraço, mesmo quando parece perto.
A liberdade de Abril trouxe aos portugueses uma vida sem amarras, onde a voz passou a ser solta, onde a expressão passou a ser nítida, onde a opinião passou a ser livre. Qualquer português sabe sentir o que trouxeram os cravos de Abril! E hoje, pela saúde de todos, pela união e pela vida, parece que temos um novo conceito de liberdade, por consequências díspares. Voltamos a sair à rua com receio de um inimigo mundial, há milhares em casa num exílio que não parece ter fim, há pessoas proibidas de ver os que mais amam e estimam, as crianças deixaram de sair à rua como aqueles pequenos seres que voam em brincadeiras pelos campos e pelas ruas como se fossem eles símbolos da Liberdade, deixamos de poder passear livremente pelos jardins e outros espaços, há uma produção nacional e mundial num risco enorme, presa e desvalorizada, há países que têm de decidir quem vive e quem morre, as cadeias abriram portas, mas os próprios presos não conseguem viver em liberdade, os velhinhos estão fechados em lares, como numa prisão afetuosa e distante dos que desejam ver, isto e muito mais, o grito feroz de uma nova liberdade.
Na vida todos os dias há um OBRIGADO a dizer. Hoje num país de heróis que luta em consonância com o mundo contra a mesma barreira, há um forte voto de gratidão em comum, por todos aqueles que nunca param numa Europa que vive uma quarentena obrigatória ou voluntária. Aos profissionais de saúde que lutam pela vida de tantos, aos profissionais dos lares e residências que tentam instalar a boa disposição em ambientes por vezes oprimidos, a todos os trabalhadores que zelam pela higienização, a todos os integrados no setor agroalimentar, desde o campo até à casa dos consumidores, a todos os demais que nas mais diversas áreas se tiveram de adaptar a novos meios e novos hábitos de trabalho e de vida, um OBRIGADO a todos nós.
Num mundo agoniado e amedrontado há alguém que festeja uma nova aurora. Eis que a moeda se virou entre o Homem e a Natureza, essa mesma natureza que se sente num sonho que ainda mal acredita. A passarada voltou a voar e a cantar longe do ruído das máquinas, os rios voltaram a ficar mais límpidos e sadios, as cores renasceram numa primavera mais viva, que para nós é esquisita, o ambiente ficou depressa mais límpido e respirável. E pensar no que aconteceu? Se o mundo agisse futuramente para manter esta “estabilidade temporária” ambiental?
Em diante muitas questões se levantarão, se lutará pela vida, nos entregaremos à esperança de dias melhores, os ditos “dias normais”. A verdade é que a normalidade pós pandemia jamais será a mesma, novos sacrifícios económicos e sociais, novos hábitos e rotinas que mudarão o Ser Humano e apresentarão o moderado conceito de Liberdade.