Tenho acompanhado todo o circo mediático em torno do hacker Rui Pinto, pelo que já ouvi de tudo sobre o jovem: bandido, criminoso, herói, patriota, justiceiro. Para uns representa o novo Robin Hood, para outros a reencarnação de João Brandão. Para mim é o Tácito do mundo pós-moderno, expondo não a tirania do Império Romano, mas as tiranias de vários impérios económico e financeiros, visíveis e invisíveis, do mundo contemporâneo.
As opiniões dividem-se e, em Portugal, a divisão é perigosa, pois baseia-se no princípio da simpatia clubística: quis o destino que Rui Pinto fosse adepto do FC Porto e, como sabemos, tudo o que no nosso país representa o regionalismo tem de ser abatido quanto antes – sendo que, no caso específico, apresentou supostas evidências do envolvimento do principal clube da capital, o SL Benfica, numa perigosa teia de controlo e manipulação das instituições desportivas e extra-desportivas, incluindo o funcionamento judicial.
Portanto, a primeira coisa que temos de fazer quando falamos de Rui Pinto é esquecer a sua simpatia clubística e analisar os factos em que está envolvido. E aí emerge como um homem de um novo tempo, o primeiro exemplo da categoria emergente homus cibernético ou homus conectus, isto é: que de forma genial conseguiu penetrar em sistemas digitais, aparentemente, seguros, e reunir um volume colossal de informação à escala mundial onde compromete várias instituições em esquemas criminosos (corrupção, tráfico de influência, branqueamento de capitais, fuga aos impostos etc…).
Não admira, pois, que as instituições europeias da justiça tenham visto Rui Pinto como um trunfo na luta contra o crime organizado, pedindo a sua colaboração, enquanto vários países (França e Espanha, por exemplo) conduziram processos judiciais a partir dos documentos que divulgou e dos quais resultaram a aplicação de penas concretas em termos fiscais (caso Ronaldo ou Mourinho, por exemplo).
Nós, por cá, pedimos a sua extradição. Tem de ser julgado pelos crimes que supostamente cometeu e, nesse capítulo, parece-me essencial que seja punido pela tentativa de extorsão – que constitui, a meu ver, o seu pecado capital neste complexo processo.
Quanto às demais acusações que lhe foram deduzidas, entrámos numa nova dimensão: vamos julgá-lo à luz das velhas categorias do direito ou implementamos quanto antes a nova geração de direitos? Vamos dar um passo em frente e aproveitar o seu procedimento de acesso a dados pela via digital e informática para limpar parte do sistema de interesses que tem corrompido a Democracia, doa a quem doer, ou baralhamos as cartas de forma a que fique tudo na mesma, servindo o interesse dos poderosos?