Ninguém nega a dívida que temos para com os povos coloniais. O imperialismo português traduziu-se na submissão dos povos, na escravatura, na exploração económica, em guerras sem sentido que duraram, excessivamente, adiando a justa auto-determinação dos povos.
É óbvio que nesse contexto, a que o 25 de Abril deu por findo, muitos portugueses foram racistas, esclavagistas, tendo praticado todo o tipo de crimes. Nisso fomos iguais, pelo menos, às grandes potências que nos acompanharam no tempo: Espanha, França, Inglaterra, Holanda…
Terminado esse longo período da nossa História, do qual nos devemos orgulhar, não pela dor ou sangue infligido a outrem, mas por inúmeros feitos técnicos e científicos, baseados no suor, coragem e muitas lágrimas, passaram tais façanhas para os compêndios históricos, sob a forma de Descobrimentos, Descobertas e Colonialismo, que continuam a marcar o ritmo das metas curriculares até ao secundário.
Porém, este novo tempo pós-colonialista que vivemos, sob a capa do estudo das minorias, das perspetivas dos povos pré-colonialistas, legítimas do ponto histórico diga-se, tem, no entanto resvalado, a meu ver, para um excesso de reinterpretações que mais parece assemelhar-se a um ajuste de contas.
Na passada semana nem Fernando Pessoa, o mais universal poeta português, conseguiu escapar a essa fúria, sendo duramente criticado nos periódicos O Jornal de Angola e Expresso das Ilhas (Cabo Verde). Neles se aponta o dedo ao poeta pelas ideias racistas que terá tecido durante a sua juventude, criticando-se, também a escolha para patrono de projeto da CPLP.
Luzia Moniz, presidente da Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana referiu: «Não sei se Pessoa é ou não bom poeta. Isso pouco interessa para o caso. A minha inquietação é o uso da CPLP para branquear o pensamento de um acérrimo defensor do mais hediondo crime contra a Humanidade: a escravatura».
José Barreto, historiador e investigador, e um dos mais profundos conhecedores da obra de Pessoa reagiu à tomada da parte pelo todo, afirmando ao Observador: «Fernando Pessoa nunca teve publicamente, que se conheça, qualquer atitude racista, nem nunca publicou uma linha de doutrina racista». Relativamente à realidade estrangeira «o racismo dos fascistas e dos nazis era, para Pessoa, desprezível».
A fonte consultada para reclassificar Pessoa como racista baseia-se na obra Fernando Pessoa: uma (quase autobiografia), de José Paulo Cavalcanti Filho, que veio a terreiro esclarecer: «Escreveu, primeiro, textos a favor da escravatura e depois contra. Como escreveu, toda a vida, textos contra Deus. E, no final, poemas em louvor do Homem na Cruz e mais uma boa porção de temas em que suas opiniões foram contraditórias. É injusto, para ele, tomar uma fala solta e o crucificar por isso» defendeu o advogado brasileiro.
O problema a meu ver, neste caso concreto, é a eterna questão do texto e do contexto, e também de maturidade, no caso de um jovem poeta com 20 anos a tentar interpretar o mundo que o rodeia, a escandalizar como tanto gostava de fazer e a cometer inevitáveis erros de avaliação.
No entanto, o verdadeiro alvo desta ofensiva da nova intelectualidade dos povos pós-colonialistas não é Fernando Pessoa. É Portugal e a sua História, é o conceito emergente nalguns setores, sedentos de vingança, cujos comentários finais ao assunto feitos pela senhora Luzia Moniz são bem elucidativos: «Em Portugal, a mentalidade esclavagista fascista ainda é dominante e que está a tentar usar a CPLP como um instrumento de dominação dos outros».
Irá o Governo português – socialista, liberal, democrático e patriótico – reagir a esta ofensiva? Duvido.