Uma das funções do nosso sistema democrático passa, a meu ver, pela máxima seguida por um famoso cirurgião de Coimbra, criador de uma inigualável Obra Social que um dia escreveu na qualidade de Presidente da Junta de Província da Beira Litoral: «para administrar/governar é preciso prever para poder prover».
A não obediência a esta máxima serve para ilustrar dois acontecimentos recentes em que sobressaiu a inoperância governamental na gestão das coisas públicas. Cito, em primeiro lugar, a greve dos motoristas de matérias perigosas, que a todos surpreendeu, inclusive a sempre atenta comunicação social, lançando o pânico pelo país, criando uma crise energética, demonstrando não só a estrutural dependência económica nacional, mas também a fragilidade do sistema público de gestão de combustíveis.
A corrida às bombas de gasolina, as tentativas de agressão dos motoristas em Matosinhos ou a requisição civil efetuada pelo governo, demonstram que o Estado Democrático assenta em pés de barro e que pouco ou nada havia sido feito para estabelecer pontes e resolver a questão de uma forma serena e sensata.
A outro nível, ficámos a saber pelo Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, Almirante Silva Ribeiro, que o Ministério da Defesa havia sido alvo de roubo de segredos militares, eventualmente, por um grupo de piratas informáticos russos. A novidade não está tanto na origem do ataque em si – os EUA queixam-se, há anos, do mesmo – mas na atenção dada a um pequeno país como Portugal. Uma vez mais ficou evidente a fragilidade dos sistemas de armazenamento digital de dados fulcrais de estados de direito e sistemas democráticos europeus, face a governos despóticos e totalitários.
Entretanto, o hacker Rui Pinto permanece preso da forma que se conhece, recusando colaborar com a justiça portuguesa, enquanto que a francesa tenta protegê-lo e pede o seu auxílio para combate ao crime internacional em várias frentes, inclusive, o informático. Partindo do princípio que Rui Pinto de tolo não tem nada, arrisco afirmar, com tristeza, que estamos a desperdiçar um talento que em muito poderia contribuir para filtrar uma sociedade doente, tornando-a mais justa. Posso estar enganado, mas estou cada vez mais convencido que o peso de Pinto não ser benfiquista está a desequilibrar, negativamente, a balança da nossa fragilidade.