Mais uma vez se comemorou o 25 de Abril. Data do maior relevo na história de Portugal que colocou ponto final numa ditadura que se prolongou ao longo de décadas.
Cheguei a Coimbra naquela manhã de sol depois de deixar na Estação Nova o comboio que diariamente me trazia para o trabalho. Eram oito horas. Tudo calmo. Cada qual se dirigia para os seus destinos. Como sempre passava pela farmácia para dois dedos de conversa com o meu irmão. Era o bate papo costumado sem quaisquer notas de relevo. Eis que surge, com ar quase amedrontado, o Álvaro, profissional na barbearia Azevedo que era ali pegada. “Vocês já sabem? Há grossa coisa em Lisboa. Uma revolução. O Rádio Clube Português está a dar notícias”. Ficámos ansiosos. Passado pouco lá fui direito ao Palácio da Justiça. Com receio ainda alguns falavam já do assunto. Durante a manhã foi um sobe e desce a uma secção do tribunal onde um rádio velho nos trazia notícias novas. que eu levava às minhas colegas de trabalho todas ansiosas por saber as últimas.
Foi a revolução tão desejada. Foi a esperança de uma vida melhor. Foi a conquista da liberdade que nunca vivera. Era o fim de uma guerra colonial onde tantos perderam a vida.
Os dias que se seguiram foram de verdadeira euforia. As manifestações de regozijo sucediam-se por todo o Portugal. Fiz parte daqueles que em dois autocarros, passadas duas semanas, se deslocaram ao Palácio de Belém para testemunharem aos Capitães de Abril a nossa gratidão.
Tudo parecia mostrar que se caminhava para uma igualdade entre todos, para uma democracia sã, para um discutir de ideias com calor mas respeito pelas que eram diferentes.
A desilusão não demorou. Logo se manifestaram as intransigências, os desejos de mando absoluto.
As dificuldades, de natureza diferente é certo, voltaram a fazer parte do dia a dia de milhões de necessitados.
Ao fim de quarenta e cinco anos olhamos para trás e vemos a corrupção instalada a todos os níveis. As dificuldades na saúde, na educação, na justiça, são evidentes.
Valeu a pena? Claro que valeu a pena. A liberdade não tem preço. Mas há tanto por fazer por uma população quer nos grandes centros quer no interior.
Há tanto projeto que disso não passou e que só contribuiu para encher os bolsos de políticos sem vergonha. É evidente que na classe política também há gente de bem. Mas muitos deles, verificando o estado a que chegaram certas coisas, recolhem -se com a dignidade que sempre usaram durante a vida.
Recordo o 25 de Abril. Recordo aqueles valentes homens que tudo sacrificaram para bem do povo a que pertenciam. Quando penso naquela manhã de esperança, entre os demais sempre lembro Salgueiro Maia. O homem de maiúscula. Que dizia que apenas cumprira o seu dever. Que dispensou honrarias. Que foi sempre fiel aos princípios da honra e da justiça. Que os que gozaram de privilégios impensáveis antes da revolução não respeitaram e chegaram a perseguir com verdadeira infâmia.
A sua tão curta vida não lhe permitiu acompanhar por muito tempo a evolução da vida de Portugal. Já foi Marcelo Rebelo de Sousa que, a título póstumo, lhe concedeu as merecidas honrarias que ele nunca desejou.
Continua sepultado na sua terra natal e, como pediu, a família cumpre o seu desejo de não permitir a sua transladação para outro local. Neste apontamento da minha memória sobre uma data tão importante da vida portuguesa acabo por dizer: Obrigado Salgueiro Maia.