Manuel Pedrosa é um rosto bem conhecido na Baixa de Coimbra. O proprietário das Lojas Pedrosa, na Rua da Louça, conta já com mais de 60 anos dedicados ao comércio. Conhece bem a realidade do centro histórico e é com saudades que recorda outros tempos, de mais movimento e grande “bulício”. Lamenta que as pessoas se tenham desabituado de vir à Baixa e diz que era importante que os conimbricenses amassem mais a sua cidade. Neste momento festivo para “O Despertar”, diz que é com “grande orgulho” que vê o jornal que continua a ler todas as semanas celebrar 100 anos.
Manuel Pedrosa nasceu na Freguesia de Santa Clara (agora União de Freguesias de Santa Clara e Castelo Viegas) há 82 anos. Começou a trabalhar cedo no comércio, tendo-se estabelecido, com a ajuda dos pais, quando tinha pouco mais de 15 anos.
Mais tarde, já casado, decidiu abrir com a esposa “uma lojinha”, a que chamaram “Rainha das Malhas”, onde vendiam os artigos que ela confecionava. Recorda que, na altura, se estabeleceu “no ramo da confeção” e que vendia “um pouco de tudo, como camisas, batas, pijamas, fardas da mocidade portuguesa…”.
As Lojas Pedrosa surgiram anos depois e contam já com 40 anos. Manuel Pedrosa recorda que decidiu mudar de setor de atividade porque “conhecia algumas casas muito bonitas de artigos de bebés no norte” e verificava que em Coimbra era uma área pouco explorada. “Só havia uma muito pequenina e eu, baseado e apoiado na confeção, porque nessa altura fazíamos berços, alcofas e folhos para as camas, abri a loja de bebé. E cá estamos desde então”, recorda.
Aos 82 anos de idade, conta, portanto, com muitos e muitos anos de Baixa de Coimbra. Assistiu a várias fases, umas melhores e outras menos boas, e considera que “a ruína da Baixa foi tirar os transportes coletivos das ruas Visconde da Luz e da Ferreira Borges, mais ou menos há 20 anos”.
Sendo esta uma zona comercial de excelência, considera que era importante que os transportes públicos pudessem passar na zona, assegurando maior comodismo para os clientes. “Uma pessoa que comprasse, por exemplo um pano de lençol na Casa dos Enxovais, uma peça que pesava mais de 30 quilos, não podia andar com ela a correr para os transportes coletivos, para o Arnado, para a Portagem ou para a Estação Nova… Assim acaba por desistir”, explica.
Na sua opinião, “muitas pessoas desistiram de vir à Baixa pelo incómodo de andarem com os sacos atrás”. Outras, defende, não vêm por falta de tempo. “Hoje é tudo mais rápido e acelerado e isso arruinou o comércio da Baixa, aliado também à falta de estacionamento”, sublinha.
Apesar da sua loja ter uma clientela fidelizada, estando já a vender “à terceira ou quarta geração”, Manuel Pedrosa não esconde que há uma quebra significativa no comércio. “Quanto mais vai envelhecendo a clientela fidelizada, menos clientes há. A juventude já não está muito virada para os estabelecimentos tradicionais. É mais simples ir a um centro comercial, onde põe o carro à porta, está à vontade, até toma o pequeno almoço ou almoço, depois faz as compras e regressa tranquilamente a casa”, realça.
Recorda com alguma nostalgia anos passados e diz que do que tem mais saudades é mesmo “do movimento”, do tempo em que havia “nas ruas da Baixa um bulício de gente”.
“Era uma maravilha. Agora nem na época de Natal se vê esse movimento. A época de Natal morreu”, lamenta.
As pessoas perderam o hábito de vir à Baixa
Apesar do trabalho que tem vindo a ser feito pela Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra com vista à reabilitação do centro histórico, Manuel Pedrosa está convicto de que dificilmente a Baixa poderá voltar a ser o que já foi. “As pessoas perderam o hábito de vir fazer compras na Baixa e duvido que nos próximos anos haja alterações. Por muito que se tente fazer por esta área, em termos comerciais, na próxima década, não vejo nada que possa alterar este rumo. Nem tenho sugestões. Não se pode lutar contra o tempo, nem contra as pessoas e os hábitos. Hoje o cliente das lojas da Baixinha é dos subúrbios. As pessoas de Coimbra já se desabituaram de vir à Baixa”, realça. Sublinha ainda que esta “não é a Coimbra que desejava” e lamenta que “nem todas as pessoas sintam Coimbra como deveriam”. “Falta amor pela cidade”, frisa.
Apesar do atual contexto económico menos favorável, não esconde o amor que tem pela Baixa e é com uma “tristeza profunda” que ouve “algumas pessoas a dizerem que não vinham à Baixa há mais de um ano”. Aos 82 anos de idade, orgulha-se do percurso feito e diz que é “por gosto” que aí continua e também pela “família” que aí construiu. “Os meus empregados têm todos mais de 40 anos de casa. Se não fosse por eles já tinha fechado. Só que daqui vivem 13 famílias. A minha família são eles”, frisa, explicando que é esta dinâmica diária que o continua a motivar, este ritual que há tantos anos mantém, de vir para a Baixa, receber os clientes, conversar com os amigos…
“O Despertar”, a celebrar hoje 100 anos, também faz parte deste ritual. Há muitos anos que o acompanha e enaltece o seu “exemplo de longevidade” e “o papel que sempre teve na cidade”. Recorda que “o jornal era um palco de ideias e de debate” e evoca também que era “particularmente amigo do sr. Sousa”, com quem “gostava de conversar sobre o que ele escrevia e sobre o que acontecia na Baixa”.
Atualmente continua a ler “O Despertar” todas as semanas e sublinha que “é um motivo de orgulho vê-lo chegar aos 100 anos”, felicitando-o por este “feito histórico”.