Há notícias que, por esperadas que sejam, chegam sempre antes de tempo e trazem consigo o traço amargo da tristeza. O Manuel Bontempo, o mais antigo e Colaborador de quase sempre do Despertar deixou-nos já há umas semanas sem que nenhum de nós disso se tenha apercebido. Ao fim de um tempo prolongado em que a doença o foi retendo em casa, a morte chegou silenciosa e ele próprio mais silenciosa a fez ainda, ao deixar recomendações à família para que a sua morte não fosse participada o seu funeral assumisse a forma mais singela possível, com a menor participação de pessoas que pudesse ser, fazendo da sua humildade de sempre a mortalha com que partiu para outro Algures.
Vinha sendo cada vez mais difícil saber de Manuel Bontempo. Manteve-se nas páginas do Despertar enquanto pôde com frequência semanal, mas a idade foi chegando e a sua saúde foi cedendo. Foi já aconchegado na intimidade do seu leito que, conformado, aceitou que a morte chegasse. E chegou num dia frio, encoberta pelo manto de silêncio que ele havia pedido à família.
Nascido em 1930, tinha 22 anos quando começou a colaborar com O Despertar e por cá se manteve até meses atrás. Sempre, de forma ininterrupta, com a regularidade das horas certas. Foi feliz aqui, nunca o escondeu e todos reconheceram nele o gosto de pertencer à equipa do Jornal, sendo ele próprio uma das páginas mais longas, mais bonitas e mais nobres desta publicação. Escreveu muito e bem. Muito bem. Sobre muita coisa. Afinal ser Colaborador assíduo durante mais de 70 anos é obra. Obra de grande autor, como ele o foi. Escreveu sobretudo onde se sentia informado e escreveu bem. Interveio em defesa da liberdade vezes sem conta. Em benefício da cultura, enriquecendo-a ele próprio. Sobre as mais diversas manifestações culturais surgidas em Coimbra e na região ao longo dessa sua tão longa vida de Colaborador, com espaço reservado em praticamente todas as edições. Não havia pintor em Coimbra que não quisesse que Bontempo falasse da sua obra. O seu saber, a sua verdade, a sua verticalidade eram a garantia de que, tendo mais ou menos valor artístico, a obra teria sempre de si e do Jornal um profundo respeito que nos deve merecer a criatividade artística.
Sejamos claros e sinceros: Manuel Bontempo era, entre nós, toda a vasta equipa do Jornal, um dos melhores, não se limitando a ser um dos mais antigos, fazendo a ligação com a primeira metade do século passado. Continuemos a ser claros: O Despertar perde aqui um dos seus activos humanos e intelectuais mais valiosos. E sinceros também: aqui dentro, alguns de nós não tivemos oportunidade de vida para lidar de perto com ele, com a frequência e proximidade física que a sua saúde já não permitia. Mas a sua presença no Jornal, na equipa, neste projecto editorial foi sempre tão intensa que aqui, no recato do local de trabalho de cada um de nós, chorámos. Chorámos por o ter perdido como pessoa de bem e companheiro que vestia de veludo quando connosco se relacionava. Chorámos porque tristes mas empunhando a bandeira da honra que manteremos hasteada enquanto o destino no-lo permitir. Assim faremos pelo Jornal, pelo projecto, pelos leitores e assinantes, pelos anunciantes amigos e fiéis. Mas fá-lo-emos também, e tanto, pelo Manuel Bontempo, perante cuja memória nos curvamos respeitosamente.
Lino Vinhal