Há datas que se sentem e se recordam, dias que se vivem com maior fulgor, dias que fazem falta à essência de determinada região. Parte do conceito de “tradição” é isso mesmo, dias de devoção, seja ela sagrada ou no mais profundo profanismo. As tradições de uma cidade ou de uma simples aldeia são parte da sua cultura e identidade, que com o passar dos tempos se vai rendendo à memória e aos fragmentos. Eis o maio!O mês garrido e maduro, o mês em que é mais forte o luar, os trinta e um dias em que Coimbra ensina com mais vivacidade o verbo partir e o verbo amar. A velha Atenas, boémia e fadista ficou este mês mais triste e ausente, não lhe percorrem as ruas os seus estimados filhos, os estudantes, que são o cerne das tradições académicas coimbrãs. Eis o maio! O mês dos fitados, dos cartolas e dos que trajam de negro pela primeira vez, homens e mulheres de um futuro que insiste ser duro, mocidade que se cobre com uma capa tão cúmplice de emoções. Da escadaria da Sé Velha, altar Maior da Canção de Coimbra não se ouviu o trinar das cordas, aquele dedilhar de um rosário de saudade, não se ouviram as vozes de uma balada comum. O largo da velha Sé não se encheu de capas negras que se lançam ao ar num hino memorável. A serenata do início dos anos 20 prestou-se de uma forma diferente, adaptada a um mundo estagnado e ligado virtualmente. Em dias em que a Cabra badalara em tons de festa, não se veem os forasteiros, aqueles que partem com etapas cumpridas, aqueles que chegam e que logo se apaixonam. Num maio diferente espreitasse a esperança de dias melhores, para muitos uma fase estudantil que ficará para sempre como difícil e esquisita.
O Mondego continua a correr num tom penoso e de saudade, as ruas da velha urbe começam a ganhar um movimento compassado de uma liberdade desejada, um desejo que se vive com receio de um inimigo invisível. Os templos continuam fechados. Lançando o olhar ao alto de Santa Clara, consagram-se os devotos à Santa Rainha, que quando voltar a sair à rua em majestosa procissão, será das mais apreciáveis e ansiadas passagens sobre o Mondego. Algumas portas vão-se abrindo, ora outras continuam cerradas como quem prefere vencer a guerra em parança.
Eis o maio! O mês da Mãe e de Maria. Numa vila aqui ao pé, numa aldeia mais além há um povo que também queria festejar, festejar o padroeiro ou uma padroeira a quem era costume realizar grandes festejos, mas fica a intenção, enquanto os santos no céu hão de andar intrigados “este ano não nos fazem arraial! Nem sequer uma procissão?!…”. As festas e romarias são a alegria do povo, sem elas o povo esmorece. Mas continuemos cautelosos, pelo bem de todos, até ao recomeço, o recomeçar de um mundo novo.