Antes de eu morrer direi
Que é infame o que se passa
Na cidade onde acabei
Por nascer, já nem bem sei,
Se por gáudio ou por desgraça.
Filomena, a que era Santa,
Deu o nome a essa clínica,
Na qual tanta gente, tanta,
Veio ao Mundo com garganta
P’ra cantar que não é cínica.
Foi a 26 de Maio,
Do ano de 61,
Que nasceu esse catraio
Que escreveu em verso o Ensaio
Sobre um eu com dom algum.
Ao Mondego jurou ser
Trovador-de-água-salgada
P’ra poder, então, morrer,
Se possível, com prazer,
Por ter escrito a Madrugada.
Ei-lo aqui fazendo jus
À promessa que hoje o vinga:
É parente de Jesus
Por esculpir tamanha cruz…
– Mas há quem o não distinga!
Com dez livros publicados
(E o seguinte já na forja),
Tem na boca os rebuçados,
De cicuta disfarçados,
Dados, pois, por uma corja:
Essa turba que, imbecil,
Pronuncia mal “saudade”
E parece até senil
Por esquecer ter sido Abril
O Poema à Liberdade.
Descendente dos Afagos,
O catraio, já velhote,
Decidiu, sem gestos pagos,
Dar a quem, em sonhos vagos,
Lhe negou um holofote.
Tal, apenas, por ter visto
O seu berço num caixão:
O catraio, como Cristo,
Disse: “Pai, eu não desisto
Do meu próprio coração!”.
Direi antes de uma lenda
Que o meu Fado ainda timbra.
A paixão não está à venda…
– Haja um Poeta que defenda
Esta Coimbra de outra Coimbra!
15/4/2023 Paulo Ilharco