Este ano o período pascal coincidiu com o princípio do mês de abril. Uma feliz coincidência, a meu ver, na medida em que os valores símbolo desta quadra são compagináveis com os princípios da revolução que nos devolveu a liberdade, sugada durante décadas, por um regime autocrático de contornos muito específicos – o salazarismo.
A Páscoa representa a morte e ressurreição de um homem, Jesus Cristo, que no seu tempo foi, também, um revolucionário, um agitador de consciências, figura emergente da contra-corrente, o líder da resistência, defensor das minorias perante a tirania do regime vigente. Um homem de coragem, que não só ousou pensar diferente, mas também passou às ações, corporizando ideias que a história e a teologia, em particular, perpetuaram ao longo dos séculos.
A revolução de abril teve, também, o seu líder, o revolucionário dos revolucionários, o mais corajoso entre os corajosos, o que deu o corpo ao manifesto, aos canhões apontados aos seus homens, expondo-se no limite, que foi líder sem o querer ser, figura exemplar para as gerações futuras – Salgueiro Maia, o grande capitão da crise revolucionária de 1974, eternizado na galeria dos ilustres portugueses.
Em todos os movimentos históricos de transformação da sociedade existem momentos em que percebemos que existem salvadores e traidores, homens de confiança e gente sem princípios, aqueles que avançam por espírito de missão e outros que se deixam prostituir, à semelhança de Judas, vendendo ideologias por um prato de lentilhas.
É verdade que Judas também ficou na história, mas não pelos melhores motivos. Fez a sua escolha, decidiu trilhar o caminho, aparentemente, mais fácil: trair os seus correligionários e entregar Jesus aos romanos a troco do vil metal – pérfida atitude que se virou contra o próprio levando-o ao suicídio, enforcando-se na corda onde medrava o peso da consciência.
Já a ressurreição é um privilégio divino, só acessível aos predestinados, aos escolhidos por Deus, processo autónomo e independente dos falsos profetas que empunham trombetas, agitam bandeiras, exibem armas e espumam discursos de ódios onde camuflam ressabiamentos.
Honremos os valores pascais. E saudemos o tão desejado desconfinamento.