31 de Outubro de 2025 | Coimbra
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Há cada vez mais jovens a recorrer à linha “Voz de Apoio”

31 de Outubro 2025

Há cerca de 25 anos que a “Voz de Apoio” se dedica a ouvir quem precisa de um ombro para desabafar. Anualmente, entre 1.800 a 2.000 pessoas recorrem a este projeto para partilharem as suas preocupações, sofrimento e/ou pensamentos suicidas. E se, numa fase inicial, era a solidão que motivava esta procura, atualmente, são os conflitos interiores e as dificuldades em lidar com o mundo que estão na base destes contactos.

“Elas [pessoas] sentem-se muito sozinhas, se calhar, comunicam pouco. Tudo fica muito dentro delas e têm dificuldade em gerir isso. (…) Numa boa parte, são mesmas situações em que há problemas a nível de saúde mental”, revela Fernando Couto, coordenador da “Voz de Apoio”, em declarações ao “O Despertar”. Este adianta ainda que há cada vez mais jovens, a partir dos 11 anos, a pedir ajuda.

“O que se verifica, ao longo dos últimos anos, é um abaixamento da idade das pessoas que nos procuram. Hoje, são cada vez mais novos, ou seja, adolescentes e jovens adultos que conseguem ter a perspetiva de que alguma coisa não está bem dentro delas, ou na relação delas com o mundo, ou com as pessoas, e que necessitam de falar sobre isso”, acrescenta.

De acordo com o responsável, em causa estão falhas no desenvolvimento das crianças e jovens. “Provavelmente, ficam muito concentradas nas tecnologias e nas redes sociais. Portanto, começam aqui a surgir problemas no seu desenvolvimento, o que lhes provoca sofrimento. Além disso, as famílias também são muito pequeninas, comparativamente ao que eram antes, portanto, há menos experiência e diversidade dentro da família”, assume. Por isso, “quando descobrem que há um sítio onde elas conseguem falar sobre estas dificuldades que sentem e o sofrimento que têm, aproveitam e usam”, afirma.

 

Adaptação aos novos tempos

Formada há mais de duas décadas, a “Voz de Apoio” tem assistido a todas as mudanças que vão ocorrendo na sociedade. “As pessoas têm hábitos diferentes e usam tecnologia diferente”, admite Fernando Couto. A prioridade do projeto passa, assim, por atualizar-se, de modo a dar respostas a estas alterações. Nesse sentido, apesar de na sua génese o atendimento ter sido feito apenas por telefone, atualmente, este apoio destaca-se pelos diversos canais aos quais as pessoas podem recorrer.

“O atendimento é feito por telefone, mas também por e-mail, chat, e face-a-face. (…) Estamos a fazer esse esforço de adaptação para conseguir chegar a mais pessoas, que são diferentes do que eram há 25 anos, naturalmente, nos seus hábitos e nas suas necessidades”, explica, reforçando que “os mais novos não gostam de falar; escrevem. Eles vão aderindo a estas novas formas que a tecnologia foi permitindo, e digamos que não usam as formas mais clássicas, mais antigas”.

Escolham o canal que escolherem, o importante é que não se inibam de procurar ajuda quando algo não está bem. A este respeito, o responsável não tem dúvidas de que é mais fácil, para qualquer ser humano, desabafar com quem não conhece. “Quem nos conhece vai-nos julgar, vai-nos avaliar, vai querer dar opiniões e alterar a nossa visão sobre as coisas. Isto é, vai, inevitavelmente, influenciar, e, portanto, é sempre mais fácil, em qualquer idade, para qualquer pessoa, falar com quem não se conhece”, sublinha.

 

Apoio estende-se a outros países

Dados recentes da Organização Mundial de Saúde dão conta de que mais de 1 bilião de pessoas, em todo o mundo, vivem com transtornos mentais. A ansiedade e a depressão são as condições mais comuns, afetando pessoas de todas as faixas etárias. Tendo em conta estes números, todo o auxílio é bem-vindo e pode ter um papel fulcral no futuro de quem dele usufrui.

No caso da “Voz de Apoio”, a ajuda não se limita a cidadãos que vivem em Portugal. Esta estende-se também a outros países. “Hoje, o mundo funciona assim. Há mais ligação e mais universalidade. E, portanto, pessoas diferentes usam meios diferentes, porque neles se sentem mais à vontade. O importante é que, seja qual for o meio que utilizam, consigam encontrar alguém com quem falar, que as escute e que as ajude naquilo que for possível”, salienta Fernando Couto.

Para isso, o projeto conta com a presença de vários voluntários que se dedicam a ouvir sem qualquer julgamento ou preconceito. “Tem de ser alguém que tem uma grande capacidade e vontade de se ligar aos outros; de os compreender; de os aceitar, sobretudo, quando eles estão com problemas e em sofrimento”, afirma. Deste modo, antes de integrarem a “Voz de Apoio” todos os possíveis voluntários passam por um processo de seleção e formação minuciosos.

 

“A nossa preocupação é com cada pessoa”

O tema da saúde mental é cada vez mais debatido mas, tendo em conta os dados, parece não estar a ser suficiente. Segundo o coordenador da “Voz de Apoio” é preciso olhar mais para este assunto e, sobretudo, com mais cuidado e atenção. “Infelizmente, a sociedade vê a gestão da saúde mental como uma parte clínica. Quando alguém está com um problema, tem que ir ao psicólogo, tem que ir a um psiquiatra, eles têm que estar disponíveis. Sim, mas há toda a nossa vida diária”, lamenta.

O responsável alerta, assim, para o facto de existirem “imensos fatores que nos condicionam, do ponto de vista emocional e mental, mas ao qual as pessoas, no geral, ainda não prestam atenção. Não percebem que tudo isso tem impacto nas pessoas, na forma como elas estão e como elas se sentem”.

Deste modo, a título individual, cada cidadão tem um papel importante no que diz respeito a si mesmo e ao outro. “Temos cada vez mais dificuldade em colocar-nos no papel do outro. (…) Convém que estejamos todos atentos, todos os dias, naquilo que fazemos, na forma como chegamos aos outros, na forma como as coisas nos chegam, para que os problemas não se instalem”, apela.

A “Voz de Apoio” tem feito a sua parte ao disponibilizar apoio emocional gratuito, confidencial e anónimo, sem quaisquer julgamentos. A ambição não passa por mudar o mundo, mas por fazer a diferença na vida daqueles que procuram o projeto. “Tentamos ajudar a perceber que ferramentas é que as pessoas podem usar, que meios é que têm ao dispor. Portanto, isto é uma visão muito pessoa-a-pessoa. A nossa preocupação é com cada pessoa”, conclui Fernando Couto.

Os contactos para a “Voz de Apoio” podem ser feitos via telefone (225 50 60 70/ +351 225 50 60 70, no caso de estar fora de Portugal), chat (chat@vozdeapoio.pt), email (sos@vozdeapoio.pt) ou face-a-face (presencialmente, apenas na cidade do Porto; ou com marcação prévia através de videochamada).

 

Cátia Barbosa
»» [Reportagem da edição impressa no “O Despertar” de 31/10/2025]


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