A minha colega e amiga Urtélia Silva disse-me ter apreciado as últimas crónicas minhas publicadas no O Despertar (não sei de qual gostou mais ou se só o último mereceu a critica positiva da minha sábia amiga). De qualquer maneira, todos eles possuíam pequenos textos que em linguagem popular, utilizavam trocadilhos, provérbios ou cores que lhe transmitiam uma beleza extraordinária.
A Urtélia, sempre atenciosa, enviou-me um texto muito completo sobre Frei António das Chagas que eu adaptei, deixando para publicação no O Despertar, apenas o que considerei importante dando, assim, sequência aos últimos escritos meus. Obrigado Urtélia.
António da Fonseca Soares ou Padre António da Fonseca ou Frei António das Chagas foi um homem ousado e de génio arrebatado que deixou lendárias muitas das suas proezas. A vida, tal como a obra de Frei António das Chagas ilustram bem a mentalidade barroca da época, ambas cheias de contrastes e peripécias.
Poeta e prosador, deixou, em quase todos os cancioneiros manuscritos da época, expresso o seu talento, nomeadamente, nos dois mais importantes, a Fénix Renascida e o Postilhão de Apolo, obras suas.
Escreveu nos mais diversos géneros poéticos: sonetos, madrigais, romances, décimas, glosas e dois poemas heróicos — Mourão Restaurado e Canto Panegírico à Vitória de Elvas. A perfeição das formas e a temática dos seus poemas centra-se sobretudo na efemeridade da vida, nos desenganos a que estamos sujeitos, mas também em assuntos de circunstância.
Bastante apreciado como poeta, atingiu também grande fama como pregador, devido ao modo pouco convencional de pregar. Na prédica, havia quem lhe estranhasse a forma como organizava as procissões de penitência e como se esbofeteava no púlpito, chegando a atirar com o crucifixo para cima do auditório, desde que isso fizesse passar a sua mensagem de uma forma mais clara.
Os seus sermões, sem as agudezas do cultismo e conceptismo, estão reunidos nos Sermões Genuínos, embora as Cartas Espirituais, sejam consideradas a sua obra-prima. Composta por 268 cartas escritas num estilo pitoresco, a obra dá a conhecer melhor o homem que em Lisboa era tratado pelo singelo nome de «o fradinho», e coloca-o entre os grandes cultores da prosa barroca.
Vamos agora oferecer aos leitores um Soneto, obra-prima do trocadilho, escrito no século XVII por Frei António das Chagas. Assim o fazemos para dar corpo aos dois textos anteriores já publicados. Hoje são os trocadilhos que, quando bem enquadrados pelos autores nas suas publicações, ensinam o povo e transformam-nos em aquietas obras de arte. Aqui fica um poema-soneto do «Fradinho» com a designação CONTA E TEMPO (Trocadilho). Leiam – no com atento, caros amigos.
Deus pede estrita conta de meu tempo.
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?
Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado, e não fiz conta.
Não quis, sobrando tempo, fazer conta.
Hoje, quero fazer conta, e não há tempo.
Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta!
Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando o tempo chegar, de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo…
Glorifico o Talento, Digo Eu.
(A minha vénia agradecida à Wikipédia, a Enciclopédia Livre e à Urtélia Silva, sem as quais não seria possível a publicação (ainda que o teor enviado tenha sido modificado de forma muito ajustada).