Quando vim para Coimbra, logo nos primeiros contactos fiquei certo de que estava correto o que tinha pensado, ainda em Évora: a adaptação à minha nova vida. Eu tinha deixado o liceu há pouco tempo e em Coimbra senti-me bem com o espírito académico que vim encontrar o que explica a minha vivência com tudo o que era académico – repúblicas, desporto, serenatas, etc.
Depois tentei e consegui também conhecer bem a cidade, incluindo do ar, o que foi novidade. Escolhi criteriosamente o que mais podia interessar à população, mostrando esses trabalhos nas montras da “Hilda”, gerando enorme e crescente curiosidade, o que se tornou lendário.
A minha primeira residência, ao lado da Torre de Almedina, a escassos três minutos do meu laboratório, na Livraria Atlântida, permitia contacto visual e sonoro, tão próximo que, muitas vezes, pedi a merenda, que não tardava.
Quando nasceu o meu único filho mudei de residência, sem sair do casco da cidade, pois a nova moradia ficava a menos de 50 metros da anterior. Porém, vizinhos conflituosos levaram-me à terceira mudança. Ainda agora estou nesta casa, que o “abençoado” me destinou, há mais de 50 anos. Disponho de dois terraços, usando diariamente o do terceiro piso. Daqui gozo um espetacular panorama, da Universidade até ao Choupal e um horizonte desde a ponte Rainha Santa Isabel até ao início da estrada para S. Martinho do Bispo.
Nesta varanda solarenga, sentado, ao sol ou à sombra, mesmo que chova, aprendi a identificar os sons e até dialogo com a cidade. Benefício do local exato para ver a Torre da Universidade tentando parecer mais alta, surgindo no meio do V formado pelos dois telhados que a ladeiam. Agora fecho as pálpebras e divago entre algumas pitadas de êxito na minha viva que até teve mais de uma dezena de momentos, daqueles que, na maioria, matam.
Inegavelmente a cidade partilhou comigo bons e piores momentos. E ainda agora, estou a referir pela primeira vez e publicamente, a interrogação que vive comigo, desde há anos.
Numa cidade que tanto amo e conheço bem, tão bonita, romântica, académica, desportiva, que vem dos tempos da Nacionalidade, foi capital do reino, logo nos primórdios do Portugal de então, como é possível que muitos dos seus atuais filhos, de vários níveis culturais, morram sem nunca terem visitado a Biblioteca Joanina, o Museu Machado de Castro, a Sé Velha, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, o túmulo da Rainha Santa, Santa Cruz – panteão onde estão sepultados os nossos dois primeiros reis, etc, etc?
É a interrogação que me acompanhará até à hora da minha “partida”.