Vivemos tempos muito conturbados no sistema democrático português: primeiro a crise ministerial, depois a operação vórtex que culminou, primeiro com a detenção do presidente da Câmara Municipal de Espinho, Miguel Reis, acusado de corrupção e, posteriormente, com a renúncia do deputado do PSD, Joaquim Pinto Moreira.
Verificamos que estes casos têm como denominador comum a gestão do poder, supostos abusos e violações da lei democrática. Aplaudo de pé as investigações desencadeadas, não só as da iniciativa dos jornalistas de investigação (cada vez são menos, é certo), mas também as autoridades envolvidas, as operações policiais e judiciais coroadas de êxito.
É muito fácil tirar ilações negativas perante tais factos: que determinado partido ou partidos, não passam de um grupo de amigos, garotos e corruptos, que se servem em vez de servir o Estado. É o que se ouve pelas ruas, nas conversas de café, nos ambientes sociais, nas greves de professores. E fazem-se vaticínios: que a legislatura não aguentará a pressão, que outros escândalos estão a caminho, que são todos a mesma coisa.
Estamos, na realidade, perante sinais claros das fraquezas da democracia: o desgaste do exercício do poder, o resultado da liberdade de circulação de pessoas e bens, o livre-arbítrio das decisões individuais. Estes sinais têm sido explorados, até à exaustão, por aqueles que desejam, na verdade, o assalto ao poder, não só para proceder de forma idêntica ou pior, mas, quem sabe, e no limite, substituir a forma de regime.
Não nos devemos, no entanto, iludir. A democracia não tem forma de regime alternativa. Ou sabemos viver e usufruir da liberdade, controlando os excessos, ou teremos a ascensão da via autoritária e tirânica, que chega sempre sob a forma de falinhas mansas, dizendo exatamente aquilo que o povo deseja ouvir – para depois o instrumentalizar da pior forma, cerceando-lhe direitos e garantias fundamentais, inclusivamente, a própria vida.
Grande parte dos problemas que abalaram o atual governo não constituem, na sua génese, uma novidade: recordem-se os abusos de poder em que acabaram grande parte dos ministros de Cavaco Silva ou, se quisermos ver pela via centro-esquerda, a deriva perigosa que levou Sócrates aos calabouços. E, já agora, há quantos anos a TAP está envolvida em processos de gestão no mínimo duvidosos?
Talvez tenha sido esta consciência, a levar António Costa a propor um mecanismo de escrutínio de governantes. Embora não discorde da medida, penso que outros caminhos seriam mais incisivos: disponibilizar mais recursos às autoridades policiais e judiciais; promover a transparência da administração central e local com auditorias regulares, mas inesperadas; ou vigiar fluxos financeiros suspeitos.
Acima de tudo, creio que a democracia precisa de melhores intérpretes do seu espírito nobre e cívico. Sendo certo que é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras, as boas ou más escolhas devem ser tomadas em plena tranquilidade de consciência. Da justiça ou injustiça das decisões julgará o povo. no local apropriado que constitui o depósito secreto do voto na urna.