Num período amargo, temperado instavelmente pela crise que atravessamos, mudaram-se rotinas e contrariaram-se hábitos, sacrificámos o poder de um abraço, de um beijo, de um aperto de mão. Coisas tão simples, que tanto preenchem a vida do Homem. O maior receio entre os momentos que se continuam a perder é que a distância se transforme em ausência. A sociedade renova-se de prós e de contras a cada revolução como esta, envolvendo-nos numa crise económica, social, mas também afetiva. Apesar do espírito comunitário e solidário se ter evidenciado por toda a parte, foi nos grandes centros populacionais, vilas e cidades, que mais se provou que somos muitos a olhar por muitos. Vizinhos que não se conheciam começaram-se a saudar todas as manhãs, o pão começou-se a cozer nos apartamentos, partilhando-o com aqueles mais vulneráveis que passaram meses sem sair de casa, o espírito cultural, criativo e artístico mostrou-se por essas varandas e terraços num ambiente que mexia com todos. Quererá tudo isto traduzir algo mais sobre o povo que somos?…
De um modo receoso e estranho o país tem tentado retomar a vida neste mundo novo, um mundo longe de estar curado e livre do inimigo. Nunca o ser humano terá tido tantas saudades dentro de tão pouco tempo. Nostalgia dos momentos em família e com amigos, do último Natal, das romarias de agosto, dos festivais de verão, de tudo o que estagnou. Numa parança forçada terá o leitor ganho algum tempo que há muito desejava, para dedicar mais tempo ao jardim, para ler, para outras viagens que só parando podemos embarcar nelas. Terá já certa falta de bons eventos culturais, nas mais variadas faces do que é a cultura. Enquanto o desporto se foi retomando em novos moldes, também os concertos iniciaram por essas salas e teatros. A cultura renasce agora de um “zero” profundo, sendo urgente cultivar de novas formas, numa adaptação aos novos tempos, inovar sem perder a base de origem. Não deixem de cultivar! Ao gosto e à maneira de cada um, esta nação desenhada do Minho ao Algarve não pode enfraquecer a sua arte e identidade tão peculiar. Se a cultura era até então uma fatia desprezada pelas “entidades poderosas”, governos e afins, está agora numa forca que só os portugueses poderão tentar desatar. Fundos e apoios continuarão a ser canalizados para grandes empresas, bancos e demais cofres que descompensam a saúde, a produção nacional e a cultura. Cultivar uma sociedade é alimentar as boas mentes do futuro e preservar a memória e a história do passado.
Quanto a medidas e liberdades é inexplícita a razão de darem um Sim a uns e um Não a outros, num momento em que todos lutamos pelo mesmo. Apesar das devidas restrições têm-se verificado nas últimas semanas muitos eventos culturais à porta fechada, e porque não ao ar livre? Olhai caros leitores, que já se foi o mês de junho, tão forasteiro de arraiais e não houve terreiro que visse gente, nem ruas que vissem procissões. Está de castigo Santo António que não casa ninguém, São João deixou fugir o cordeiro, São Pedro anda cada vez mais baralhado com o tempo, e por diante essas festas e romarias de um verão tão festeiro como é por terras lusitanas, será atípico e esquisito, mas que seja pelo bem de todos, por isso lutemos juntos!