A compaixão e a ligação aos outros são fatores que reduzem o risco de desenvolvimento de stress pós-traumático no contexto da atual pandemia de covid-19. Esta é a principal conclusão de um estudo internacional multicêntrico, liderado por uma investigadora da Universidade de Coimbra (UC), Marcela Matos, e que se insere num projeto internacional que tem como objetivo avaliar os diversos fatores que podem aumentar ou atenuar o risco de problemas de saúde mental no quadro de pandemia que se vive.
A mesma análise evidencia, por outro lado, que a desconexão social, marcada pela solidão e pelo medo da compaixão, potencia esta perturbação psicológica.
Marcela Matos explicou que o estudo demonstra que as pessoas que se sentem socialmente mais seguras e conetadas “e que são capazes de ser compassivas consigo mesmas, com os outros e que recebem compaixão dos outros em face do sofrimento e adversidade, revelam maior crescimento pós-traumático no contexto da pandemia”. Esclareceu, também, que o crescimento pós-traumático diz respeito à mudança positiva que uma pessoa desenvolve perante um evento traumático. “Perante o sofrimento, as pessoas iniciam um processo de transformação, promovendo o crescimento pessoal, a resiliência e o bem-estar mental durante e após a pandemia”, realçou.
A docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UC e investigadora do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental, que lidera um consórcio de cientistas de 21 países de várias partes do mundo, entende que este estudo demonstra que a conexão social é a chave para “compreender como as pessoas se adaptam e lidam com a crise mundial da covid-19 e pode facilitar o crescimento pós-traumático no contexto da ameaça vivenciada durante a pandemia”.
Considera que a compaixão, experiências de conexão social e ligação aos outros “têm um papel protetor universal contra os efeitos prejudiciais da pandemia da covid-19 na saúde mental e no bem-estar psicológico e social, podendo ainda promover a resiliência e facilitar o crescimento pós-traumático face ao contexto desafiador e potencialmente traumático da pandemia”. Acrescentou que isto significa que a “capacidade de ativar sistemas motivacionais de compaixão e de experimentar segurança social e conexão aos outros fortalece o crescimento pós-traumático perante a ameaça da pandemia”.
Compaixão é “sinónimo de coragem”
Marcela Matos notou ainda que um outro estudo do consórcio que lidera, publicado na prestigiada revista científica “Mindfulness”, indica que a compaixão, “em particular a autocompaixão e compaixão recebida dos outros, tem um papel protetor universal contra os efeitos prejudiciais da pandemia covid-19 na saúde mental (sintomas de depressão, ansiedade e stress) e no bem-estar psicossocial”. Esclarece que a compaixão “não é o mesmo que pena ou amor, nem é apenas ser simpático ou bonzinho, ou ser autoindulgente ou fraco”, submeter-se às vontades dos outros ou livrar-se da dor ou do sofrimento, mas sim “sinónimo de coragem e de um profundo compromisso” com o bem-estar próprio e o dos outros.
Os resultados deste trabalho científico, publicado na revista científica PLoS One, baseiam-se em dados recolhidos numa amostra de 4.057 indivíduos de ambos os sexos, recrutados nos 21 países, durante a primeira vaga da pandemia (entre abril e junho de 2020).
Atendendo a que as conclusões são transversais a todos os países envolvidos no projeto, Marcela Matos defendeu como prioridade a implementação de “estratégias focadas na comunidade para fomentar a resiliência e proteger a saúde mental da população neste período”.
“Intervenções focadas na compaixão e a disseminação de estratégias de comunicação pública compassivas podem ser relevantes para promover a resiliência individual e coletiva e reduzir as dificuldades de saúde mental durante e após a pandemia”, realçou.
A investigadora considerou, ainda, que se deve promover a reconexão social entre a população em geral e, em particular, nos grupos mais vulneráveis – como idosos e profissionais de saúde – “usando intervenções baseadas na comunidade visando combater a solidão física e emocional”.