O outono chegou amornado à tipicidade da estação. A chuva parece ter começado a cair como cumprindo o desejo das plantas, do solo e dos Homens. O vento sussurra numa aragem fresca assumindo a chegada de um novo equinócio. Os ouriços vão inchando nesses grandes castanheiros que se estendem serra acima, prometendo largar as suas filhas em breve como uma mãe que lança à vida seus filhos. As figueiras parecem escorrer mel por esses campos e à beira dos caminhos. Os celeiros vão-se compondo de fartura, enquanto as eiras já se vão varrendo. As arcas vão-se fechando com respeito, como se nelas se guardasse um grande tesouro. Nada mais que uns poucos alqueires de milho, mas só pelo trabalho que o lavrador lhe teve desde a sementeira, vale muito.
Chegara há pouco da cidade o velho Simões. Sentando-se para aliviar o cansaço da viagem, ali parou um pedaço de tempo debaixo do pequeno telheiro. “Então Coimbra inda está no mesmo sítio?” perguntaram-lhe num jeito de brincadeira. “Nem se arredou… O Homem de bronze mandou-te cumprimentos!” Respondeu ironicamente metendo à conversa a mítica estátua de Joaquim de Aguiar.
Tirando o jornal das sacas que trazia, começou a desfolhá-lo no seu jeito de calma e curiosidade. Pouco tardara para o almoço, mas mesmo chamando-o insistia em ler as notícias primeiro. “Trouxestes o que te pedi?” Perguntou-lhe a mulher. “Está aí nesse saco. Mas já fui tarde, era uma confusão! Já é por lá só morcegos!”, respondeu referindo-se aos estudantes pelo seu negro trajar.
“Olha e vão deixar de comer carne de vaca! Vem aqui noticiado! Tristeza… este Reitor deve passar fome ou então é desses que só come verduras…” Não entendendo bem a polémica, não se debate em questões alimentares ou ambientais, pois para o velho Simões tudo não passa de um absurdo.
As polémicas são na verdade certos temas oportunistas para pôr na moda e nas bocas do país uma certa região ou localidade. A propósito desta medida na academia coimbrã, terá ganhado Coimbra destaque na imprensa por um bom tempo.
“Toma lá esta caneta! Andavam a oferecer por lá com umas bandeirolas às costas! Uma comitiva que invadiu hoje aquelas ruas. Anda, e quando fores votar levas essa caneta e metes por outro!” Embrulhando a conversa em meia dúzia de gargalhadas a mulher aceitou a oferta e logo arrecadou aquele objeto de propaganda que ao menos serve para alguma coisa.
Teria chegado a hora de se sentar à mesa. Ligaram o televisor e o “noticiário da uma” abria com o acompanhamento da campanha dos diversos candidatos às legislativas. O Simões não tardara em tirar o testo à panela que tinha à sua frente, eis que bem cozinhada seria carne de vaca o seu almoço.
A chuva teimava em cair, o vento soprava mais forte, dando impressão que a televisão começava a ter algumas falhas. “Está num tarda a faltar a luz…” Alertou a mulher. “Deixa faltar que ainda é de dia e propaganda já eu vi muita hoje.” Respondeu o homem pondo o garfo à boca.
Por vezes ignorar certas atualidades não é de todo desperdício, é um descanso. Há certos acontecimentos que nada acrescem a cultura e a sabedoria de um Homem, políticas e polémicas são em grande parte a prova disso mesmo.