A poesia acontece. Quase sempre surge de imprevisto.
Não se faz, não se fabrica. Assistimos hoje a uma poesia que é feita nas complicações herméticas, com laivos de intelectualista, indecifrável ou sensualista ou ainda com facilidades oferecidas, editores de todo um bem estar de obras pequenas, reduzidas, mal proporcionadas no valor intrínseco e com as tradicionais banalidades, mas que servem de prato de mesa para elogiosos lançamentos, com pompa e circunstância, com os habituais snobs do burgo, as senhoras alindadas nas melhores vestimentas, num festim de palmadinhas nas costas e os beijos de Judas…
Debuxa-se nesses livros uma série de infantilidades e as habilidosas artimanhas de uma medíocre poesia apadrinhada pela fama literária do bairro, com frases relatadas e discutidas pelos doutos, entremeadas com os sorrisos postiços dos “jet-set” num festim sibilino fabricado em série como quisessem usar o esquema lógico dos clássicos ou, para espanto dos auto dominados de poesia revolucionária ou de arautos do iluminismo, dum novíssimo verbo.
A poesia quase morreu!
Este universo humano fica sujeito a um pseudo progresso da palavra, do conceito, do intrincado, e estes “poetas”, na sua maioria deixam-se encantar pela rima fácil, corriqueira, ou pedante e a mediocridade de certos livros que se rotulam de cultura e otimismo social perdem o sentido da inteligência mas, paradoxalmente, bem aceites pelos obscuros, ou livreiros. E pelos patrocinadores.
Há poetas obscuros que têm o benefício material de um descuidado ou ignorante mecenas.
E quanto mais virtuais e de complexos inconscientes melhor para uns tantos “padrinhos” que não se importam com as emoções estéticas e as fases da criação estética.
O mistério da poesia é diametralmente oposto a uma mera absolutização do verso.
E se a poesia deve representar o seu “tempo” nunca pode fugir à dignidade e a uma lúcida consciência que fixe a personalidade do poeta, do artista, criador.
Já não existe o plantio seleto do verso, são e escorreito, e os Miguel Torga, Eugénio de Andrade, José Régio, Sophia de Mello Breyner Anderson, Manuel Alegre, António Arnaut, João Mendes Ferreira, Paulo Ilharco, Paulino Mota Tavares, Teles Marques, Maria Alcina e outros com todo o esplendor da criação ou do sentimento humano, são a luz dos horizontes temporais da poesia, e por sua vez, Mariana Silveira, Camila de Andrade, Alda Belo, Mariana Cunha e ainda Lopes Araújo, Dinis Nobre e outros, uns numa atitude fundamental da filosofia e duma vigorosa estética romântica e outros, ainda, num lirismo duma fantasia autónoma marcam a riqueza da arte de versejar.
Curioso estes poetas mencionados todos ligados a Coimbra.
Natália Correia, Alberto Serpa, Carlos Oliveira, são poetas de virtualidades muito peculiares e de natureza subjetiva sempre presentes em qualquer estudo ou análise à nossa poesia.
E estes três poetas tiveram um grande apreço por Coimbra e pela sua cultura, nomeadamente pelos poetas da cidade, em conversas amiúde que tivemos com Natália Correia, amiga do coração e juntos escrevemos sobre a nossa arte.
Criar e recriar, eis também a função da poesia; pegar no destino humano e prometer aos homens outra visão do mundo diante do mistério das palavras, das alegorias das metáforas, ou ainda por uma angústia avassaladora de transmitir a salvação da espécie humana num momento de crise de valores.
A poesia portuguesa estimula o leitor e aguça os instintos, as emoções, aflora as consciências quando se associam as formas e esmiúça os fenómenos psíquicos, o amor, o ciúme, a paixão, as imagens e um conjunto de sensações adormecidas.
A poesia é beleza transfigurada e desde a poesia quinhentista que se sente na poética lusa a ideia da beleza.
E é essa “ideia da beleza” que anda muito arredia dos poetas que surgem aos montes e que todos os dias lançam gongoricamente os seus livros…
Já fui, como tanta gente, a lançamentos de livros que foram um logro. Por outro lado já assisti por dever de ofício à apresentação de livros valorosos que foram – e são – um festim para os sentidos onde todos, sem exagero, ficaram com as belas letras bem retidas na sensibilidade.
Já escrevi prefácios para bons livros e outros menos bons, mas que não podia fugir ao interesse e ao orgulho dos autores.
Existe em muitos livros uma consciência, uma evolução social, uma aquisição da experiência e ainda romanticamente uma nostalgia da saudade. É uma veemente forma singular de afeto!
A poesia atua em nós, no plano artístico e emocional, entra no mais íntimo da alma, assim como os poetas vivos de Coimbra, nossos contemporâneos, que passam por nós nas nossas ruas, gente que é “poeta”, os trovadores de Coimbra…
Mais do que em qualquer outro período histórico, o “poeta” é muitas vezes filósofo, um crítico, ou pedagogo, que desvenda mundos interiores, numa larga dimensão ontológica.
A poesia não é uma arte periférica de uns tantos livrecos que vão aparecendo nas livrarias. É, também, uma conceção existencialista e a procura da liberdade, essa liberdade contida no canto do poeta mesmo que seja um simples monólogo interior.
O mundo dos poetas, dos grandes poetas, também pode ser o nosso, logo que saibamos compreender para além das conexões das ideias, dos sentimentos, das imagens e descobrirmos a “inquietação” da Poesia!