13 de Fevereiro de 2025 | Coimbra
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Orlando Fernandes

Comentário: a clarificação ideológica

23 de Dezembro 2022

O debate parlamentar, com a presença do primeiro-ministro, foi importante em mais de um plano. Não só permitiu que António Costa assumisse a urgência da reestruturação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), como contribuiu para a clarificação ideológica dos modelos de serviços de saúde que os partidos defendem.

Pelas palavras do primeiro-ministro, irão agora avançar medidas como o estatuto do SNS a rede de referenciação das urgências, o alargamento de Unidades de Saúde Familiar, a concretização da autonomia de contratação dos hospitais, as reformas dos cuidados primários e dos cuidados continuados integrados. Assim como a implementação do regime de dedicação plena e a aposta na formação dos médicos, medidas destinadas a aumentar a atratividade da adesão ao SNS.

É evidente que o objectivo de estancar o esvaziamento dos médicos no SNS e voltar a tornar as carreiras médicas no sector público de saúde um projecto profissional de futuro passa não só por reestruturar as carreiras e a formação, mas também é preciso alterar profundamente o sistema. Daí que seja central o processo negocial com os sindicatos dos médicos, que decorrerá nos próximos seis meses, destinado a encontrar consensos quanto às medidas a adoptar pelo Governo para potenciar a atractividade e a fixação de médicos no SNS. Ou seja, serão feitas negociações com os sindicatos que só podem terminar numa verdadeira reformulação das carreiras e das tabelas salariais dos médicos do SNS, que lhes devolva dignidade.

Estas negociações foram anunciadas pela ministra da Saúde, Marta Temido, no final da reunião com os sindicatos dos médicos, sobre o pagamento de horas extraordinárias nos serviços de urgência hospitalar, que acabou sem acordo, Marta Temido anunciou mesmo assim que o Governo vai passar a pagar aos médicos do SNS 50 euros (em vez dos actuais 19 euros) por hora extraordinária prestada nas urgências hospitalares para além do limite de 150 horas extraordinárias por ano. Um regime classificado por Marta Temido como transitório, mas que irá durar um ano e não os três meses inicialmente previstos.

Com esta medida, o Governo procura aproximar a situação dos médicos do SNS às condições que auferem os médicos tarefeiros contratados pelos hospitais públicos às empresas privadas de prestação de serviços médicos. Mas é importante que nas preocupações do Governo esteja a criação de condições que permita travar e diminuir o recurso a médicos tarefeiros, que só tem servido para ajudar a vampirizar o SNS.

Mas o debate contribuiu para a clarificação ideológica. Assumindo-se como líder do Governo, António Costa fez a defesa de um modelo de saúde em Portugal que assenta na complementaridade entre sector público e privado, demarcando-se do modelo defendido pelo PSD, que acusou de idolatrar a saúde privada, num momento em que noticiou, os privados já fizeram quase 30% dos partos em Lisboa e Vale do Tejo e 2021.

Em resposta ao líder parlamentar do PSD, Paulo Mota Pinto, António Costa começou por revelar que não houve renovação das parcerias público-privadas (PPP) porque os concessionários privados “não aceitaram manter o contrato, nos termos propostos pelo Tribunal de Contas”. E, perante a intervenção do líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias – que classificou que todas as PPP foram criadas pelos governos do PS -, o primeiro-ministro acusou o PSD de querer destruir o SNS e assumiu a defesa do modelo social-democrata de Estado Social que defende, retirando dele o PSD: “O PPD, que era PPD, quis-se inventar PSD. Mas não cabem lá.”

A clarificação ideológica foi feita também à esquerda, tornando transparente a distância entre o PS e os amigos parceiros parlamentares o PCP e o BE. Foi aliás, notória a agressividade de António Costa ao responder à coordenadora do BE, Catarina Martins, que acusou de “demagogia”, chegando mesmo a afirmar: “O Bloco não criou o SNS; o SNS não deve nada ao Bloco para a sua melhoria. “Voltando a recusar o modelo de exclusividade dos médicos no SNS proposto pelo BE – divergência que esteve na base do chumbo da proposta de Orçamento do Estado para este ano, em Outubro passado -, o primeiro-ministro insistiu na defesa da liberdade dos médicos e na complementaridade entre púbico e privado.

Ficou claro o modelo de saúde que o PS perfilha. Resta agora saber se António Costa vai satisfazer as expectativas que criou e se tem vontade e capacidade política para liderar a reestruturação do SNS, apostando na complementaridade entre público e privado (quem sabe se lançando até novas PPP). Uma coisa parece certa: o modelo que António Costa defendeu não pode passar pelo esvaziamento do SNS, que se tem verificado ao longo de anos.

 


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