Sexta feira, dois de março de 1917. Depois das necessárias reuniões, encontros, discussões e planeamentos, eis que “O Despertar” se apresenta a Coimbra. O “modesto jornal de provincia” vinha determinado a empenhar “o melhor dos seus esforços” pelo bem da cidade, prometendo defender “tudo quanto respeite os legitimos interesses desta nossa encantadora Coimbra, a velhinha, mas formosa, princeza do Mondego, tão decantada pelos poetas e que tão cara devia ser pelas gerações que aqui teem engrandecido o seu espítiro e para quem ela tantos carinhos e sorrisos teve”.
Definida a “meta”, o grupo de amigos que abraça o desafio de criar um novo jornal, mantém em aberto todas as possibilidades futuras, consciente das dificuldades mas também determinado a levar o mais longe possível esta “cruzada”.
“Qual será, porém, o acolhimento que espera ‘O Despertar’? O futuro dirá; se sucumbirmos, procuraremos morrer com honra, se podermos caminhar é nosso intuito seguir sempre a aspera estrada do dever. Confiantes no futuro, avante iremos.” – lia-se na primeira edição.
A confiança, a determinação, a entrega e a preserverança de tantos e tantos homens bons que a este projeto se dedicaram levaram-no longe e é graças a eles – e também em sua honra e homenagem – que hoje “O Despertar” celebra o seu primeiro centenário.
E neste momento de festa é preciso recuar ao príncipio, quando tudo começou, para recordar a história deste projeto editorial e para honrar quem o ajudou a chegar tão longe…
Grupo de “homens bons” na origem do jornal
A criação de “O Despertar” deve-se a João Henriques. Mas, como em tudo na vida, por muito dinâmico e criativo que o homem seja, é muito mais fácil levar a bom porto um projeto quando estamos rodeados de amigos.
E foi isso que fez João Henriques. Este honrado tipógrafo, que fez escola nas oficinas de “O Conimbricense”, conseguiu, com o seu espírito tenaz e com a sua determinação, motivar um grupo de pessoas a abraçar este projeto. O “espírito de cruzada e de Apostolado dos homens de 1917” é sempre realçado quando se fala na história deste “velhinho” jornal. Nos momentos de maior dificuldade e de grande luta, era recordado como sinónimo de esperança e de força.
Apesar de não existirem registos sobre a fundação de “O Despertar”, sabe-se que, naquele ano de 1917 e provavelmente até antes, decorreram reuniões várias até chegar às preparatórias, onde era preciso passar das ideias à prática. O aluguer de um espaço onde pudesse funcionar a oficina, a compra do material tipográfico necessário, o planeamento da edição, a escolha dos correspondentes, a nomeação do diretor e a angariação de publicidade terão sido alguns dos temas abordados antes de, no dia 2 de março de 1917, o jornal se apresentar à cidade.
Propriedade de João Henriques, “O Despertar” surgia então sob direção de José Pires de Matos Miguens. Ezequiel Correia, colaborador e que era então funcionário postal em Coimbra, foi o padrinho, escolhendo um nome que pretendia “agitar”, “despertar”, “manter com vida” a cidade e todos aqueles que aqui faziam as suas vidas.
Contou, desde o início, com um grupo variado de colaboradores, que inclui desde as pessoas mais cultas, ligadas à Universidade de Coimbra e/ou a colégios da cidade, aos comerciantes, procurando reunir assim temas que fossem ao encontro do interesse dos leitores, independentemente da sua classe social.
Assumia-se como um jornal “simples”, “humilde” e “despretensioso” e era assim que queria continuar. Para tal contava com a colaboração de homens como Venâncio Rodrigues, Dias da Silva, Marnoco e Sousa, Alves do Santos, Sílvio Pélico, Pai e Abel Urbano, Vilaça da Fonseca, Rodrigues da Silva, Augusto Marta, Vírgilio Paiva Santos, Mário Temido (Pai) e Ernesto de Miranda, entre outros “homens bons da terra”.
Com oficina na Rua Pedro Roxa, onde se manteve até inícios de 2015, contava com uma equipa vasta (alguns assalariados outros voluntários), já que naquela época não era tão simples a missão de fazer chegar um jornal a casa do leitor.
A composição do jornal exigia não só trabalho mas também criatividade. Para além de “esteta da indústria gráfica”, o paginador tinha a responsabilidade de estudar a melhor forma de promover e vender o jornal, criando uma paginação que despertasse o interesse do leitor e o levasse a querer lê-lo e a comprá-lo. Numa época em que predominava o preto e branco e em que as fotografias eram quase inexistentes essa tarefa era, sem dúvida, mais difícil.
O jornal começou por ser impresso em máquinas automáticas, chamadas Marinonis, tendo a primeira máquina de “O Despertar” deixado de trabalhar em agosto de 1959, depois de 42 anos a servir a oficina. Anos mais tarde, as Marinoni passaram a trabalhar com energia elétrica.
Saído das máquinas, o jornal era distribuído pessoalmente, porta a porta, por um grupo de distribuidores. Só os assinantes que não moravam na cidade é que recebiam a sua edição através dos correios.
O aumento do número de assinantes, bem como a própria evolução social, levou a que, anos mais tarde, toda a distribuição passasse a ser feita pelos correios, chegando o jornal a todos os leitores ao mesmo tempo, ou seja, no dia seguinte, tal como ainda sucede hoje, 100 anos mais tarde.