Decorridos 100 anos de publicação ininterrupta, recuámos a 2 de março de 1917 e, numa pesquisa longa, edição após edição, ano após ano, fomos conhecer os principais assuntos que foram notícia nas páginas deste jornal durante toda a sua história. Recordamo-los agora ao longo desta e das próximas páginas.
O elevado preço do pão, a fome, as possíveis vantagens da energia elétrica, a insegurança e o “desmazelo” de alguns espaços são alguns dos temas que estiveram em destaque logo nos primeiros anos, assim como as sequelas da Primeira
O ano de 2017, ano em que “O Despertar” se apresentou ao público, foi um ano marcante, quer para a nova publicação que procurava afirmar-se na cidade, quer a nível nacional e mundial. No país o destaque vai para as aparições em Fátima, noticiadas de forma breve e sem grande profundidade nas páginas deste jornal. A crescente emigração é também notícia, fazendo eco das dificuldades económicas que se viviam então no país.
Foi, precisamente, a crise que fez destaque de primeira página logo na segunda edição, a 6 de março de 1917, partilhando-a com a notícia da morte do ex-Presidente da República, Manuel d’ Arriaga, “uma das mais gloriosas figuras do velho partido republicano”.
O “problema das subsistências” gera preocupações que, aliás, vão ser constantes ao longo destes cem anos, dando “O Despertar” eco da sua gravidade. Noticia-se que “em Lisboa morre-se de fome” e que, apesar de Coimbra ainda não ter chegado a esse extremo, a “miséria invade já vários lares”. Reclamam-se do Governo “medidas urgentes mas acertadas” e, entre outras preocupações, alerta-se para o elevado preço do pão – que obriga algumas casas a tirá-lo do “rol dos géneros de primeira necessidade – e erguem-se vozes contra o aumento do azeite, que passou a custar “70 centavos o litro”. A crise chega também aos transportes e obriga à restrição no serviço dos comboios de passageiros, devido “à falta e avultado preço do carvão”.
Também os preços dos serviços municipais, como a água, são alvo de críticas, numa altura em que se discutem as vantagens da energia elétrica, os respetivos preços e se negoceia o fornecimento para Coimbra. Ainda na cidade, alerta-se para a necessidade de criar um “tribunal de segunda instância” e chega aos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) a primeira caldeira a vapor sistema Babcook (o que vai permitir “uma economia superior a 400 escudos por mez em carvão”).
O ano de 1917 fica ainda marcado por outros alertas, que chamam à atenção para a insegurança na cidade, para a “criminologia infantil” (que “está tomando grandes proporções”) e para o estado de degradação e abandono de alguns espaços. Reclama-se a construção de um mercado “compatível com as exigências e bom nome desta terra” e lamenta-se o “estado degradante”, com ervas de “mais de dois metros”, da fachada de Santa Cruz. Lamenta-se também a existência de “pocilgas e currais de suínos em diversos pontos da cidade”, cuja “existência é muito prejudicial á saúde publica”.
Por outro lado, elogia-se a “onda de progresso e civilização” no Bairro dos Olivais e fala-se de fósforos como se tratasse de um luxo.
Os efeitos da guerra e a sua duração são também notícia, assim como o são, numa vertente mais festiva, a Romaria do Espírito Santo, a Festa da Flor, as Festas de Nossa Senhora da Nazaré (com a viagem do Círio) e as “grandiosas festas do Bodo” em Pombal.
Tribunal da Relação de Coimbra é um facto
É já em inícios de 1918 que se confirma a criação, em Coimbra, do Tribunal da Relação, poucos dias depois da vinda do Presidente da República, Sidónio Pais, à cidade. Esta notícia não agrada no Porto, onde surgem vários protestos, mas, em maio, confirma-se que a obra vai mesmo avançar.
Também o Banco Ultramarino anuncia que vai criar uma agência nesta cidade.
A estação de caminhos de ferro merece também críticas, assim como o aumento dos “mendigos e vadios” na cidade. A distribuição de açúcar por parte da Câmara foi notícia durante duas semanas e, no país, o Governo pondera racionar alguns bens alimentares.
Muitas destas carências devem-se à guerra, que continua a causar danos e preocupações. Nas páginas de “O Despertar”, ao mesmo tempo que se fala dos sacrifícios, alerta-se também para o facto de haver pessoas a “fazer fortunas” à custa da guerra. Elogia-se o trabalho dos soldados portugueses, que “sabem honrar a farda que vestem”. O fim da guerra é anunciado, finalmente, na edição de 9 de novembro e, nas seguintes, fala-se da desejada paz e normalidade. Mas esta tranquilidade nacional iria durar pouco já que, em dezembro, o país sofre novo abalo, com o assassinato de Sidónio Pais, “um crime selvagem e bárbaro” que envolve “em luto a nação inteira”. É a 18 de dezembro que “O Despertar” dá conta deste triste acontecimento, recordando o Presidente da República como o “pai dos pobres”.
Grande café desejado em Coimbra
A inexistência em Coimbra de um “grande café” é lamentada logo no início de janeiro de 1919, mês que fica marcado, a nível nacional, pela afirmação da República. Enaltecem-se os seus valores, pede-se “serenidade e patriotismo aos portugueses” e fala-se de Coimbra como um dos “baluartes da República”.
A 15 de fevereiro noticia-se a vitória da República, cujos ecos se vão fazer ouvir, nos meses seguintes, em todo o país.
Por cá, vozes se levantam em defesa da Universidade e pela sua necessária reforma; “O Despertar” e a população (que saiu à rua) manifestam-se contra a extinção da Faculdade de Letras e a sua transferência para o Porto; fala-se do Sport Club Conimbricense, das suas dificuldades e atividades desportivas e sociais; noticia-se a iluminação elétrica nos bairros de Santa Clara, Montes Claros e Penedo da Saudade; lamenta-se que a cidade esteja muitas noites à escuras “devido à falta de carvão”; critica-se o estado de abandono a que está votado o Parque de Santa Cruz e a falta de melhoramentos na Estação de Coimbra e no Mercado D. Pedro V; e anuncia-se a assinatura de um contrato para a conclusão do caminho de ferro até Arganil.
A nível nacional, realce para as greves ferroviárias e seus reflexos, para a eleição de António José de Almeida como novo Presidente da República e para a constituição de um novo partido político – o Partido Republicano Conservador.