O Jornal Despertar comemora hoje 100 anos em que, ininterruptamente, serve a informação e os cidadãos.
Foi-me pedido que num pequeno artigo traçasse uma narrativa que pudesse servir para, com base na história da saúde de Coimbra, se fizessem referências na saúde a alguns dos marcos mais importantes destes últimos 100 anos.
Em 2 de março do longínquo ano de 1917, Portugal participava nos combates da Grande Guerra (1914-1918). Uns dias mais tarde a 17 de março o Czar da Rússia abdica, incrementando com esse ato a instabilidade europeia. “Em Março (segundo o calendário ocidental), um grupo de soldados e trabalhadores com panos vermelhos invadiu o palácio Tauride, onde a Duma (o parlamento) se reunia. A deposição do czar (que, mais tarde, seria executado) deu oficialmente início à revolução russa, cuja segunda fase aconteceu já em Novembro – em Outubro, no calendário russo, a partir de 25 de Outubro de 1917. Os ‘dez dias que abalaram o poder’, como escreveu o jornalista norte-americano John Reed, culminaram com a chegada ao poder de Partido Bolchevique liderado por Lenine”.
Um ano antes, o Professor Doutor Luís Santos Viegas substituiu o Professor Doutor Filomeno da Câmara Melo Cabral na Direção dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Com um Currículo administrativo proeminente, Santos Viegas tinha sido Fiscal da Faculdade de Medicina; Diretor do Laboratório de Anatomia Patológica; Administrador substituto dos Hospitais da Universidade; Presidente da Comissão Administrativa da Maternidade e Administrador dos Hospitais da Universidade.
Os Hospitais da Universidade de Coimbra atraem nos anos seguintes (anos 20 a 30) para o seu seio personalidades de enorme prestígio e proeminência política e republicana. Ângelo da Fonseca que reforça o ensino da enfermagem, Bissaya Barreto que implementa uma notável obra de Medicina Social – Pediatria, Maternidade, hospitais para a tuberculose, para a lepra, para a psiquiatria e saúde mental –, Elísio de Moura e Sobral Cid que implementam uma psiquiatria moderna para a época. O primeiro no âmbito dos Hospitais da Universidade de Coimbra e o segundo empresta o seu fervor científico e o seu nome à obra de Bissaya Barreto na área da saúde mental: Hospital do Lorvão, Hospital de Sobral Cid e Colónia Agrícola de Arnes.
Coimbra transforma-se numa cidade onde fervilha o conhecimento médico e onde os Hospitais da Universidades de Coimbra e o Hospital Geral da Colónia Portuguesa do Brasil disputam com os Hospitais Civis de Lisboa a consagração da melhor Medicina e dos melhores mestres.
A Década de 40 foi a Década de ouro para a Medicina de Coimbra, que se prolongou nos anos seguintes, reforçada com a obra de Bissaya Barreto: hospital Geral da Colónia Portuguesa do Brasil, Hospital Pediátrico, Maternidades Bissaya Barreto e Daniel de Matos.
Santos Bessa, João Porto, Novais e Sousa, Henrique de Oliveira, Bissaya Barreto, Correia de Oliveira, Morais Zamith, Mário Trincão, Vaz Serra, Bruno da Costa, Nunes da Costa despertam a cidade para uma nova realidade no caminho do futuro.
As Décadas de 50 e de 60 foram as décadas da oportunidade: terminada a 2.ª Guerra Mundial, a medicina, a enfermagem e a administração hospitalar tiveram uma notável evolução: Nunes da Costa faz a primeira cirurgia cardíaca, constrói-se o Bloco Hospitalar de Celas; uma nova geração de médicos vai substituindo paulatinamente os anteriores diretores, muitos deles com uma formação adicional no estrangeiro: Antunes de Azevedo, Carlos Migueis, Cunha Vaz, Gouveia Monteiro, Poiares Batista, Norberto Canha, Lobato Guimarães, Linhares Furtado, Robalo Cordeiro, Meliço Silvestre, Almeida Ruas, Agostinho de Almeida Santos, Rui Carrinthon e Carlos de Oliveira, entre tantos outros.
No Hospital Geral eram proeminentes as figuras ímpares de clínicos consagrados, entre eles Lourenço Gonçalves, Luciano dos Reis, Santana Maia, Fausto Pontes, Amaral Gomes, Abreu Barreto, Moreira Pires, Mário Falcão, Uback Ferrão e mais recentemente Manuel Miraldo, João Moreno e Armando Gonsalves.
No Hospital Pediátrico e nas maternidades, Carmona da Mota desenvolveu e prestigiou a pediatria de Coimbra e Mário Mendes Secretário de Estado da Saúde, esteve com António Arnaut no momento fundacional do SNS.
Helena Correia, Joaquim Mourão e Joaquim Garrido, foram alguns dos muitos enfermeiros que tiveram um papel importante na enfermagem moderna.
Coimbra atraiu ao longo deste século médicos de enorme prestígio para o desenvolvimento da Medicina em Coimbra: Bártolo Valle Pereira e Carlos Tenreiro do Porto, Manuel Jesus Antunes de Moçambique, Freitas Ribeiro de Lisboa e Gabriel Tamagnini e Torrado da Silva de Lousanne.
Durante este século, Coimbra foi escola de Administradores Hospitalares que, direta ou indiretamente, influenciaram a Construção do Serviço Nacional de Saúde, fundado por António Arnaut em 1979: Coriolano Ferreira, Gonçalves Ferreira e Júlio Reis entre outros. Os primeiros com influência no embrião do Estado Social e o último como ativa presença no Ministério de António Arnaut.
Neste século a Medicina de Coimbra liderou vastíssimas áreas da medicina nacional.
O Jornal “O Despertar” ao comemorar 100 anos, foi e é um espetador permanente do avanço desta cidade, das suas proezas, dos seus sucessos, mas também das suas angústias e tristezas.
Coimbra que se orgulha do seu passado e por isso não teme o futuro. Um jornal com a história do Despertar, também se orgulha do seu passado, e por isso não teme o futuro. Um jornal com esta história faz parte da nossa vida. Uma cidade é tanto mais forte, quanto a sua comunicação social for forte e que se consolida ao longo do tempo como fonte inspiradora da verdade e da discussão pública.
Um jornal com história é sem dúvida um enorme orgulho para os cidadãos que serve e que informa.
Parabéns ao Despertar e felicidades para os próximos 100 anos.
J. MARTINS NUNES (Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra)