Por Soares Rebelo
Os centros urbanos das sociedades modernas confrontam-se, um pouco por todo o lado, com múltiplos e complexos problemas estruturais e organizativos. A sistemática cedência política a um liberalismo económico galopante, que não olha à pessoa humana, tão só ao capital e ao lucro fácil, faz com que o fosso entre ricos e pobres não pare de expandir-se. A melhoria da qualidade de vida das classes menos favorecidas tornou-se, por isso, urgência inalienável. As pressões demográficas e socioculturais fizeram explodir as fronteiras urbanas, físicas ou planeadas, de largas faixas dos respetivos territórios, tornando-os, como já dizia Fernão Lopes acerca da Lisboa quinhentista, autênticos guetos de muitas e variadas gentes, que, nuns casos, as descaraterizaram, noutros, lhes minguaram as capacidades de solidariedade e inclusão.
Portugal tem vindo a responder de forma progressivamente mais adequada às necessidades básicas da população, mas continuam, ainda assim, a ficar de fora do crescimento económico largas franjas de desprotegidos. A produção de riqueza tem aumentado, a nossa economia tem até crescido mais do que a média da União Europeia, mas continuamos a não ter em devida conta, devido a leis mal concebidas ou frequentemente inúteis, aquele que é, afinal, um dos objetivos essenciais do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Milénio – a erradicação da pobreza extrema e da fome escondida. Portugal, segundo revelação do presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, será mesmo o país da UE com mais idosos a sobreviverem abaixo do limiar da dignidade que em circunstância alguma se lhes pode recusar.
O crescimento constante da esperança de vida é, inequivocamente, uma conquista fantástica da humanidade. As regalias sociais alcançadas nas últimas décadas, com destaque para a universalização do setor da saúde, está a permitir ao homem viver muito mais tempo. A taxa de natalidade continua a ser, em contrapartida, excessivamente baixa, pelo que o progressivo envelhecimento da população deverá ser devidamente ponderado, já que representa uma séria ameaça para o atual sistema público de pensões, se não forem acauteladas as indispensáveis reformas. Trata-se, em suma, de um desafio relevante a que urge dar resposta – e que não deverá cingir-se à iniciativa do Estado e das políticas públicas, mas merecer a própria solidariedade dos cidadãos, das instituições e das comunidades locais.
A Casa do Pobres de Coimbra, fundada em 1935, portanto, logo no pós-guerra, época deveras difícil para os portugueses e, naturalmente, também para os conimbricenses, tem constituído, ao longo de todos estes longos anos, um exemplar local de abrigo e convivência cidadã. Há por aí empresas a vender companhia a quem viva sozinho ou sofra de solidão e mini centros ditos sociais onde os utentes podem tomar chá, participar em jogos de mesa, ver filmes – a troco, é claro, de euros, muitos euros. Embora tenha conhecido algumas dificuldades, nunca foi esse o caminho trilhado pelos sucessivos responsáveis pela Casa – instituição que justifica, até por isso, todo o apoio da cidade. Coimbra tem de olhar, naturalmente, para a juventude, que, sem esperança de futuro, por aí se droga e prostitui, mas impedir, simultaneamente, que a terceira idade seja atirada, como sucata, pela borda fora. “No meio de vós não haverá pobres”, lá diz a Bíblia. Meditemos!