Por Vítor de Sá Marques
Lembro-me quando, em finais da década de 70, o meu Pai me mandava à Casa dos Pobres, no Pátio de Inquisição, entregar sacos cheios de açúcar. Eram os restos que sobravam dos pacotes de açúcar que os clientes não utilizavam no seu café, mas que eram aproveitados para este fim. Foram várias as vezes, ao longo dos anos, que eu fui ao Pátio de Inquisição e entrei pela porta da Casa dos Pobres.
Mas não era apenas o açúcar.
À semelhança do que muitas instituições fazem no século XXI já nos finais da década de 70, princípio da década de 80, do século XX, muitas das sobras do Café Santa Cruz também eram distribuídas por diversas instituições.
Tive a oportunidade de ver alguns documentos contabilísticos de Abril de 1974 e podemos constatar que o Café Santa Cruz apoiava, com uma quota mensal, um conjunto de instituições de cariz social.
Há ainda uma coincidência entre as duas instituições. A Casa dos Pobres foi inaugurada precisamente 12 anos após a inauguração do Café-Restaurante Santa Cruz, isto é, no dia 8 de maio de 1935.
Em finais de outubro de 2016, a Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC), organizou uma reunião de comerciantes, para falarmos sobre diversos assuntos, mas nunca pensámos que a notícia principal, que saiu nos órgãos de comunicação social, fossem os problemas das drogas, da prostituição, da mendicidade, do alcoolismo ou dos sem abrigo.
Afinal, estes problemas são transversais a muitas cidades da nossa dimensão.
Na 1.ª edição da Festa do Galo (dezembro de 2016) decidimos apoiar dois entidades que têm a sua missão no Centro Histórico. Para esta iniciativa escolhemos a Ergue-te e a Casa da Mãe (da Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra).
Devo dizer que, nas reuniões de preparação com ambas as instituições, fiquei muito chocado / alarmado com as histórias que me foram contadas. São dramas de pessoas que estão a poucas dezenas de metros de mim, do meu local de trabalho, diariamente. Desconhecia por completo qual era a sua missão e qual a importância do seu trabalho diário para minorar todos os problemas sociais que atrás identificámos.
Em fevereiro de 2017 a APBC organizou o seminário “Reabilitação Humana no Centro Histórico”. Este seminário teve como objetivo abordar os problemas sociais e humanos que assolam o Centro Histórico de Coimbra, tendo as entidades convidadas explicado quais são as ações que desenvolvem para minorar o impacto destes problemas junto dos comerciantes, dos residentes, em particular, e dos conimbricenses, em geral.
Desde 2016 que a APBC apoia, nas Semanas Gastronómicas que organiza, duas instituições cuja atividade se desenvolva no Centro Histórico. Convidam os restaurantes a contribuírem com 20 euros para estas instituições. É importante que todos os comerciantes, dos mais diferentes sectores de atividade, conheçam as entidades, as pessoas, que trabalham diariamente para o bem-estar de outros seres humanos, incluindo o nosso, que pelas mais diversas razões, necessitam de apoio humano, social, psicológico, económico ou de cuidados médicos.
A Casa dos Pobres tem sido um ótimo exemplo de resiliência. Para além das dificuldades diárias que enfrenta teve outros desafios, já neste século, que foi a construção do novo edifício, a mudança de instalações e as dificuldades de financiamento.
Mas também foi resiliente porque ao longo da sua existência se foi adaptando a novas circunstâncias, resistindo às adversidades, mas teve capacidade de se renovar com muito espírito de sacrifício.
A Casa dos Pobres de Coimbra tem como Presidente da Direção a Sr.ª D.ª Maria Luísa Carvalho, uma senhora que vai dar seguimento a toda a obra, a todo o legado, da antiga Direção presidida pelo Sr Aníbal Duarte de Almeida.
Acredito que os objetivos que idealizou e se propôs vão ser alcançados.
O lema da sua candidatura: “Honrar a memória, perspetivando o futuro”, permite que a missão da Casa dos Pobres “Acolher e melhorar a qualidade de vida da população mais idosa, mais vulnerável e com menores recursos” seja mais facilmente concretizada e que possa transmitir à comunidade quais são os projetos para o futuro.
Este desafio que me foi lançado pelo Dr. Lino Vinhal foi importante para eu conhecer mais sobre a Casa dos Pobres e perceber qual foi o seu contributo para obviar deficiências de apoio social. Em épocas, como aquela em que vivemos, é fundamental a sua existência para mantermos a esperança de que há pessoas (instituições) que ainda prestam cuidados básicos a outros seres humanos.
Agradeço à Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra a possibilidade que me deu para perceber que a reabilitação humana também é fundamental para o crescimento e desenvolvimento da nossa cidade.
É uma honra para mim partilhar estas minhas experiências, as minhas memórias de criança, no sentido de contribuir para um futuro melhor da Casa dos Pobres.