Bianca de Matos
Atoalhados, colchas de algodão, jogos de cama e de banho, bordados, entre muitos outros artigos têxteis para o lar é o que se pode encontrar na Casa dos Enxovais, que completou no passado dia 20 os seus 58 anos. Segredo para se manter um negócio há tantos anos? “Muito trabalho, dedicação e saber gerir o dinheiro”, partilhou, de sorriso no rosto, o proprietário José Marques.
Iniciou o seu negócio com apenas 27 anos. Mas o mundo do trabalho entrou mais cedo na vida de José Marques, natural de Coimbra, mais precisamente de Santo António dos Olivais, onde sempre viveu. “Comecei a trabalhar muito novito, com 10 anos. Foi na Casa Guimarães, onde estive durante 17 anos e, mais tarde, é que abri o meu estabelecimento”, contou ao “Despertar”.
Um negócio que surgiu pelas suas mãos, “por necessidade”. “Precisava de ganhar dinheiro e foi por isso que me estabeleci aqui”, acrescentou.
Aqui, na Rua Visconde na Luz, na Baixa de Coimbra. É lá que está esta casa de referência e de excelência. As pessoas que por li passam, param em frente à montra, perdem-se naqueles tecidos e comentam, entre sorrisos, a qualidade e o conforto dos artigos que lhes saltam logo à vista. Uns acabam por entrar, outros seguem caminho, mas todos observam com admiração e encanto a vitrine e espreitam, através do vidro, o que tem a loja por dentro.
À porta costuma estar José Marques. Tem 85 anos e todos os dias está ali. “Eu nunca tive férias, menina”, disse, em tom ternurento. Um homem de conversa fácil, trabalhador e humilde, sempre pronto para receber diariamente os seus clientes naquela que é a sua segunda casa, com um sorriso e um cumprimento agradável de se ouvir. A simpatia e familiaridade também integram aquele espaço, nota-se até somente pelo “bom dia” que dá a todos os quanto passam por ele, cuja maioria já lhe conhece o rosto. Com os outros comerciantes também mantém uma relação de amizade e companheirismo, pois partilham a Baixa há muitos anos e são imensas as histórias para contar entre as ruas daquela zona histórica da cidade de Coimbra.
Os anos passam e as memórias ficam. José Marques recorda os tempos antigos, em que o negócio corria “às mil maravilhas”, como se costuma dizer.
“Enquanto tivemos aqui [na Baixa] os transportes, correu tudo muito bem, mas a partir do momento em que cortaram a circulação do trânsito nesta zona, fizemos muito menos negócio”, desabafou José Marques.
A Casa dos Enxovais, tal como o nome indica, remonta ao tempo em que as famílias faziam o enxoval, quando os casais casavam e juntavam os “trapinhos”. Ainda se vê isso? “Não. Agora, juntam-se”, respondeu de imediato.
“Antes comprava a mãe, a avó e a madrinha. Era muito engraçado. E sabe que passar por todas estas fases tem a sua piada”, frisou.
Ainda assim, José Marques continua a receber muitas pessoas, “todo o tipo de clientes”. Uns já são habituais e outros que vêm pela primeira vez. Mas todos ficam encantados quando entram na Casa dos Enxovais.
“A afluência é muito menos, mas, mesmo assim, a procura já foi pior. Agora, tem sido razoável. Fazíamos por dia cerca de seis mil euros. Nos dias de hoje anda na casa dos 700, 800 ou mil euros”, sublinhou.
Turistas também se veem por ali muitos. Os olhares prendem-se em tudo o que está na loja, a começar pela montra. “Chama muita gente”, afirmou José Marques. E a verdade é que chama mesmo. São dezenas e dezenas de pessoas que entram e saem da Casa dos Enxovais todos os dias.
Para isso, muito tem contribuído a criatividade para ter produtos de qualidade e com um toque inovador. Falamos, por exemplo, das toalhas bordadas com o nome e que são personalizáveis. Quem entra na loja tem logo encontro imediato com este artigo que, segundo José Marques, “são um sucesso e atraem muita gente”.
Atualmente, o comerciante conta com a ajuda de três colaboradoras. Uma delas já ali está há 53 anos. No entanto, relembra que já chegou a ter cerca de 20. “Tempos em que se faziam muitos bons negócios, com muita gente a comprar”, adiantou.
A relação que mantém com as colaboradoras é bondosa e bonita de se ver. “Se houver um cantinho no céu é para este senhor. Não há pessoa como ele. É muito humano”, disse Isabela, uma das funcionárias, acrescentando com um sorriso rasgado que José Marques “tem idade para ser meu avô e respeito-o muito”.
O homem dos enxovais e de causas
Além da Casa dos Enxovais, José Marques há 57 anos que também abraça uma causa nobre. Falamos da Casa de Infância Elysio de Moura. Uma instituição que acolhe crianças (meninas) e as acompanha até se formarem e orientarem a sua vida. “É muito gratificante. O melhor que há é poder ajudar o próximo. Para mim é”, disse já emocionado.
Ao falar desta Casa, onde palavras de carinho e humildade não faltaram, José Marques partilhou uma história que lhe (pre)encheu o coração. “Veio aqui uma pessoa dar-me um beijo e eu não a conhecia, pelo menos achava eu, até ao momento em que me mostrou uma fotografia dela, em pequena, e era eu que a estava a pegar ao colo”, contou de lágrima no canto do olho.
Por ali já passaram muitas crianças, “cerca de duzentas”, referiu. Atualmente, são à volta de 80 que estão a receber todas as condições para que tenham um futuro risonho.
“Passei muitos momentos difíceis, o maior foi ter de recusar uma mãe a ver e falar com as filhas, mas tive de o fazer, porque sou responsável, seja na loja, na Instituição ou em casa”, destacou.
Quanto à Casa dos Enxovais, o futuro passa por continuar de portas abertas. Agora, de segunda a sexta-feira, das 09h00 às 19h00, e ao sábado, das 09h00 às 13h00.
“Eu perspetivo cá continuar, mas, menina, já são 85 anos de idade. Tenho uma filha, mas não liga muito a isto”, concluiu com um sorriso, como quem dizia com os olhos “volte quando quiser”. Haveremos de voltar, José Marques, seja para comemorar mais um ano ou até para comprar um bordado.